O outro lado
Presidente de Legislativo diz desconhecer o esquema
O presidente da Câmara de Matinhos, Sandro Moacir Braga, confirmou que o pagamento de diárias de viagens na Casa é realizado por meio de cheques que são descontados na boca do caixa. Mas disse desconhecer a existência de um suposto esquema para que servidores repassem os valores sacados a vereadores. "Esta é uma questão entre o vereador e o assessor. Se tem ou não [esquema], eu desconheço" , disse ele.
Braga ainda justificou o pagamento de várias diárias a uma copeira função incompatível com viagens oficiais, segundo o Tribunal de Contas. De acordo com ele, a servidora viajou em 2009 para fazer cursos que a capacitaram para assumir a nova função, de técnica legislativa. A promoção ocorreu em 2010.
A Gazeta do Povo ainda procurou o ex-presidente da Câmara de Pontal do Paraná Alexandre Guimarães Pereira; o ex-diretor administrativo da Casa Romildo Rubens Moraes; e o ex-vereador Márcio Gonçalves. Nenhum deles foi localizado. Pereira é acusado de ficar com verbas de diárias destinadas a Moraes. E Gonçalves denunciou o esquema de apropriação do dinheiro das viagens em Pontal.
"Funcionários fazem diárias para vereadores"
Demitido há quatro meses da Câmara de Matinhos, o ex-diretor de áudio e telefonia da Casa Celso Renato Punhatoski revela que há sim um esquema de desvio de diárias de viagem no Legislativo da cidade.
"Aquilo ali é brincadeira. O que vai em diárias ali que o pessoal faz é absurdo", disse Punhatoski. "Funcionários dali fazem diárias para eles [vereadores]. Eles [vereadores] pegam e dão uns trezentão [R$ 300] para os caras. Eles [servidores] descontam o cheque e dão para vereadores [o restante]." Questionado pela reportagem, o ex-diretor não quis revelar os nomes dos vereadores que receberiam os valores.
Punhatoski foi servidor da Câmara durante seis anos. Nesse período, fez oficialmente dez viagens com pagamentos de diárias, segundo dados do Tribunal de Contas (TC). Mas disse se lembrar apenas de uma "meia-diária de R$ 700", recebida por uma viagem a São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. "Se fizeram outras diárias [em meu nome], não estou sabendo."
O ex-servidor da Casa também aponta outro desperdício de dinheiro da Casa, do qual ele próprio fez parte. Punhatoski disse que recebia salário de diretor para "cuidar de uma caixa de som em cima de uma cadeira no plenário".
Técnicos do Tribunal de Contas do Paraná (TC) suspeitam que vereadores usem servidores "laranjas" para embolsar diárias de viagens. Os funcionários receberiam o dinheiro e repassariam parte do valor a parlamentares aos quais são subordinados, ficando com uma parcela da diária. Inspetores do TC, que pediram para não ter o nome revelado, dizem que indícios dessa prática não faltam em várias câmaras. Já há pelo menos um caso concreto em investigação. E a Gazeta do Povo ainda ouviu um ex-servidor que admite que há um esquema desse tipo em sua cidade.
O desvio por meio de funcionários, porém, é difícil de ser comprovado, pois o pagamento das diárias costuma ser feito em cheque, que é sacado na boca do caixa pelos servidores. Isso dificulta o rastreamento do destino do dinheiro.
"O difícil é comprovar a fraude. Os funcionários recebem os cheques, descontam no caixa do banco, e repassam a verba para os vereadores em troca de um porcentual [do dinheiro]. A operação quase não deixa rastros. Somente a polícia ou Ministério Público conseguiriam investigar a fundo. Este não é nosso trabalho", diz um dos técnicos do TC.
Uma das suspeitas em apuração pelo TC é referente à legislatura anterior da Câmara de Pontal do Paraná, no Litoral do estado. Após uma inspeção, o TC começou a apurar o caso de um servidor do Legislativo que receberia diárias que eram repassadas posteriormente ao então presidente da Casa, Alexandre Guimarães Pereira. O valor seria utilizado por Alexandre Só Praias, como é conhecido, para pagar dívidas que ele tinha na cidade, inclusive com o irmão do servidor envolvido no esquema.
O ex-diretor administrativo da Câmara Romildo Rubens Moraes, em carta protocolada ao TC em maio do ano passado, admitiu receber diárias para cursos inexistentes e que as repassava ao vereador Guimarães.
O esquema veio à tona em junho de 2008, quando o então vereador Márcio Gonçalves denunciou a apropriação indevida de diárias em Pontal. Segundo ele, o esquema consistia na liberação da verba para cursos e viagens que não foram realizados. Sete dos nove vereadores foram acusados de uso indevido de dinheiro público.
O autor das denúncias também faria parte do esquema e disse ter recebido R$ 46 mil. No total, foram pagos R$ 768 mil a funcionários e vereadores do Legislativo de Pontal nos anos de 2007 e 2008. O TC e o Ministério Público Estadual estão investigando o caso.
Outra suspeita
Na atual legislatura, outra suspeita do TC envolve a Câmara de Matinhos, também no Litoral. Técnicos do órgão constataram pagamentos elevados de diárias, por meio de cheques, a servidores da Casa. Para auditores do tribunal, isso pode indicar a existência do esquema, embora não haja elementos para comprová-lo.
Servidores da Câmara que receberam diárias por meio de cheques justificam que o pagamento é feito desta forma porque eles não têm conta bancária na qual o dinheiro possa ser depositado. Mas um ex-diretor da Casa ouvido pela reportagem relatou que, na verdade, há um esquema de repasse de diárias de funcionários para vereadores.
Em Matinhos, chama a atenção o caso de uma copeira da Câmara, posteriormente promovida a técnica legislativa, que oficialmente fez 21 viagens pagas pelos cofres públicos entre 2009 e agosto de 2011. No período, ela recebeu R$ 28.350 somente em diárias.
Como copeira, função que desempenhou até o ano passado, ela ganhava salário de R$ 465 mensais. Numa inspeção referente às contas de 2009, o TC apontou que o pagamento de diárias à copeira cuja nomenclatura do cargo é o de auxiliar de serviços gerais era irregular porque as viagens são incompatíveis com a função.
No ano seguinte, o presidente da Câmara de Matinhos, Sandro Moacir Braga, promoveu a copeira para técnica legislativa. Com isso, cometeu uma irregularidade, pois ela só poderia ocupar o novo cargo caso passasse em concurso, o que não ocorreu. Mas a corpeira teve salário ampliado para R$ 1.860 e continuou a viajar custeada pela Câmara. Seus principais destinos foram cidades do litoral catarinense e Curitiba.
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Colaborou Fernando Martins.
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