O vice-presidente Michel Temer vai deixar a articulação política do governo com o Congresso. Aborrecido com a falta de cumprimento de acordos e com a “articulação paralela” promovida no Palácio do Planalto sem aviso prévio, Temer só avalia agora o melhor momento para que o desembarque não seja visto como mais um fator de instabilidade, no rastro da crise provocada após a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
“Eu já cumpri o meu papel em relação ao ajuste fiscal e agora vou me dedicar à macropolítica”, disse o vice-presidente, que comanda o PMDB, a líderes aliados no Congresso. Temer conversou ontem com Cunha, em São Paulo. Acusado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro pela Procuradoria Geral da República, o presidente da Câmara disse ao vice que ele deveria “sair fora” da articulação o mais rápido possível, porque a Casa ficará cada vez mais ingovernável.
Delator associa lobista a Renan, Cunha e Temer
Em depoimento prestado à Procuradoria-Geral da República (PGR), o lobista Júlio Camargo - que relatou pagamento de propina ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - afirmou que o lobista Fernando Soares era conhecido por representar o PMDB, o que incluiria, além de Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o vice-presidente, Michel Temer
Leia a matéria completaCunha avisou, ainda, que não renunciará e que passará a defender “com vigor” o rompimento do PMDB com o governo Dilma Rousseff. Não foi surpresa: dias antes de ser denunciado, Cunha já dissera a Temer e a líderes do governo que não cairia sozinho.
Temer não definiu a data de saída da articulação política, mas já confidenciou a amigos que o trabalho tem “prazo de validade”, após quatro meses nessa tarefa. Nos últimos dias, porém, vários fatores contribuíram para reforçar sua decisão.
Presidente do PMDB, o vice ficou contrariado com “olhares enviesados” de petistas, após dizer que o País precisava de alguém com capacidade de “reunificar a todos”. O apelo para evitar a pauta bomba, que aumenta os gastos do governo, foi interpretado por alguns petistas de peso como uma tentativa de Temer de obter protagonismo num momento em que a presidente Dilma Rousseff enfrenta ameaças de impeachment.
O vice chegou a pôr o cargo à disposição. Dilma não aceitou. Em café da manhã com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministros e parlamentares do PMDB, recentemente, Temer mostrou indignação com comentários de que se apresentava para o lugar de Dilma. “Não sou homem de agir à sorrelfa”, afirmou ele, acrescentando que não retirava uma única palavra do que dissera.
No Planalto, Temer e o titular da Aviação Civil, Eliseu Padilha, seu braço direito, enfrentam problemas com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Ocupando hoje o gabinete da Secretaria de Relações Institucionais, que desde abril é vinculado à Vice-Presidência, Padilha é o responsável por negociar cargos e emendas com o Congresso. Mas também sairá dessa articulação, dedicando-se exclusivamente à sua pasta.
O ministro está insatisfeito por considerar que vem sendo sabotado pelo PT e ficou ainda mais furioso após ter sido desautorizado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A última crise ocorreu porque Padilha prometeu a líderes aliados liberar R$ 500 milhões para pagamento de emendas parlamentares. Na última hora, porém, Levy proibiu o desembolso.
Temer também se desentendeu com o ministro da Fazenda, na quarta-feira (19), após tentar novo acordo para beneficiar o setor de transportes no projeto que reviu a desoneração da folha de pagamento das empresas. Era a última etapa do ajuste fiscal.
Levy disse a Temer, em tom irritado, que não faria mais concessões porque, do contrário, seria melhor “perder tudo de uma vez”. Temer, devolveu, em tom irônico: “Entendi sua posição. O governo perde, o governo cai, e a gente vai embora de uma vez”.
No mesmo dia, à noite, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, procurou Temer e Padilha, na tentativa de desfazer o mal-estar. Ao que parece, não deu certo. O vice-presidente também ficou contrariado por não ter sido chamado por Dilma para reunião no Palácio da Alvorada, no domingo, após as manifestações de rua contra o governo.
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