A mudança mais evidente na passagem da gestão interina para a definitiva, no último dia 31, é o surgimento de uma “agenda internacional” para Michel Temer (PMDB). Desde maio na principal cadeira do Executivo, mas à sombra do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), Temer partiu para sua primeira viagem ao exterior – para a reunião do G20 – horas depois de assinar a posse definitiva no Senado. A “estreia internacional”, anotaram aliados de Temer, não poderia ser na condição de presidente da República provisório. A partir de agora, auxiliares do peemedebista garantem que a viagem à China – ele retorna nesta terça-feira (6), a tempo de participar do tradicional desfile de 7 de Setembro em Brasília – foi apenas a primeira de uma série de roteiros que ele pretende fazer até o final do ano.
No radar, já estaria uma viagem para Nova York, onde deve fazer um discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ainda neste mês de setembro. Em outubro, o peemedebista estaria planejando ir ao encontro do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), na Índia, e também à XXV Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado, na Colômbia. Visitas a outros países da América do Sul, como Argentina e Paraguai, também estariam sendo organizadas até dezembro, inclusive para compensar o embate com Venezuela, Equador e Bolívia, que retiraram seus embaixadores do país em repúdio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. A ideia das viagens, relatam auxiliares do novo chefe do Executivo, é colocar em prática uma nova política externa. Mas, com o Brasil ainda em ebulição, a tarefa não deve ser fácil.
“Ao mesmo tempo em que se tenta mostrar aos investidores que é um momento de oportunidades, há uma dificuldade adicional, de enorme esforço de legitimação do próprio governo Temer. A energia não está voltada só para as relações comerciais”, inicia a professora Tânia Maria Manzur, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
O professor Amâncio Jorge de Oliveira, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), destaca, contudo, que “uma coisa é a necessidade urgente de legitimação, imposta pela circunstância da chegada do governo Temer ao poder, e outra coisa é a mudança na política externa, que não é imediata”.
Novo governo indica mudança na relação “sul-sul”
Para os dois especialistas, embora seja cedo para fazer uma avaliação de qual será a política externa a partir de agora, o governo Temer já rompeu, ao menos no discurso, com a aliança “sul-sul”. “As pessoas falam de uma inflexão para uma política externa que não seja ideológica. Eu acredito que toda política externa é ideológica, mas eu entendo que a proposta agora seria se afastar dos chamados países bolivarianos, dos princípios que eram caros aos governos Lula e Dilma”, explica a professora da UnB.
Para ela, a “questão comercial” na política externa do governo Temer será prioridade, mas não estará voltada para o Mercosul. “Eu acho que se buscará fortalecer relações entre Mercosul e União Europeia, por exemplo. Ou se buscará modelos alternativos ao Brasil, que não dependam só do Mercosul. Mas o enfoque certamente será comercial, voltado para reduzir entraves nas negociações”, analisa Tânia Maria Manzur.
O professor da USP concorda que a questão comercial terá um peso maior, mas acrescenta que é preciso ter “cuidado” com a mudança de rota. “Já houve um endurecimento com países do Sul, mas eu acho que é preciso ter cautela para se abandonar um processo [de unificação sulista] sem ter nada para colocar no lugar. A aliança ‘norte-sul’, por exemplo, é difícil. Há um contexto internacional difícil, não basta apenas uma vontade de se aliar a outros países”, alerta Amâncio Jorge de Oliveira.
Para o especialista da USP, o endurecimento imediato do ministro das Relações Exteriores, José Serra, com a Venezuela, por exemplo, revela uma “ansiedade” na adoção de outro caminho. “O Brasil sempre teve uma espécie de paciência com parceiros menores, que agora se esgota. Mas é preciso romper de forma coordenada. E não como fizeram os britânicos em relação à União Europeia, por exemplo”, reforça ele.
Governo Dilma enfraqueceu relações internacionais, dizem especialistas
Independentemente de como será a política externa do governo Temer, tanto o professor da USP quanto a professora da UnB concordam que o governo Dilma enfraqueceu as relações internacionais, “apequenando” a posição do Brasil no mundo. Além de não fazer a chamada “diplomacia presidencial”, marca do governo Lula, ela também não teria delegado a função para o Itamaraty, que foi perdendo força nos últimos anos.
Para Tânia Maria Manzur, da UnB, assim como Dilma, Temer também não teria a vocação natural para a “diplomacia presidencial” realizada por Lula. “Temer é um constitucionalista, mas, ao contrário do que fez Dilma, que tinha uma atuação mais centralizadora, ele deve realmente delegar a tarefa de resgatar o papel do Itamaraty”, pondera ela.
Amâncio Jorge de Oliveira, da USP, faz análise semelhante. “Dilma não fazia a política externa e também não delegava. Temer colocou um ministro forte no Itamaraty [José Serra] e que tem ambições políticas. Então ele [José Serra] deve buscar uma bandeira. Provavelmente uma que traga emprego”, aponta ele.
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