Em sua primeira visita ao Brasil, o presidente da organização não governamental (ONG) Transparência Internacional (TI), o peruano José Carlos Ugaz, fez questão de “bater cartão” em Curitiba, em um encontro com o juiz federal Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato. O objetivo da viagem, que vai continuar por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, é propor uma estrutura de combate à corrupção para o país e debater a “internacionalização” da operação. “É um caso que transcende as fronteiras do Brasil”, destacou em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. Ugaz esteve na redação do jornal para prestar apoio à empresa e alguns de seus profissionais que estão sendo processados por magistrados e promotores do estado.
Na entrevista, o peruano apresenta ainda os detalhes das medidas anticorrupção propostas pela instituição e destaca a importância do desenvolvimento de ferramentas de transparência e fiscalização pelos países. “A transparência é requisito fundamental para se ter acesso a informações, para se tomar decisões adequadas, e para se evitar casos de corrupção”, finalizou.
Foi muito interessante, tivemos uma reunião com dois magistrados do caso e com a equipe de procuradores quem trabalham na operação. Assim, tivemos a perspectiva da complexidade do caso e do que estão fazendo para poder leva-lo adiante. Me parece que eles têm conseguido realizações muito importantes no tempo em que andam as investigações. No meu caso, como peruano, estive envolvido também na investigação do caso Fujimori [professor de Direito Penal, Ugaz foi procurador do caso que levou o ex-presidente peruano Alberto Fujimori à prisão pela morte de 25 pessoas e diversos sequestros, após a ditadura militar] e que guarda muitas similaridades com o caso brasileiro.
Creio que agora estamos passando por um momento muito importante e interessante na região, porque há esforços anticorrupção que estão tomando corpo, mas os modelos são diferentes. Por exemplo, o modelo que representa o caso brasileiro é muito distinto do que o que se está aplicando na Guatemala, onde foi necessário formar uma comissão internacional, proposta pelas Nações Unidas, com uma equipe de investigadores estrangeiros. Perceberam que não era possível romper com a impunidade tradicional na Guatemala e fazer avançar as investigações de grandes casos de corrupção somente no país, visto que o presidente e a vice-presidente estão envolvidos. Esse é um modelo extremo, em que há uma intervenção externa para se tentar romper a tradicional impunidade no país. O caso brasileiro é distinto porque, com os próprios recursos nacionais e profissionais, foi possível começar um processo anticorrupção que há poucos anos não se imaginava efetivar dessa maneira, levando em consideração que muitos dos atores principais desse caso são pessoas com uma quantidade de poder econômico e/ou político muito significativos. Isso demonstra que, apesar de a corrupção ser sistêmica e estrutural, há nas instituições uma reserva moral e uma capacidade profissional que as torna capazes de levantar isso e levar adiante uma investigação de forma profissional e eficiente, como estão fazendo. Esse é um modelo distinto da Guatemala, que representa um modelo de ações extremas em um Estado falido.
Para se ter um trabalho eficaz de investigação da corrupção, uma das regras principais é seguir o dinheiro. Efetivamente, saber o que passou, como passou, e onde são produzidas as consequências do delito, é uma estratégia mais clara no combate a corrupção. Mas isso nem sempre é fácil, porque o dinheiro não se queima e as lavagens de dinheiro são cada vez mais sofisticadas. Acabamos de ver o que ocorreu a nível mundial com as informações do Panama Papers, em que as empresas offshores nos paraísos financeiros evidentemente dificultam esse tipo de investigação. Por isso estamos há dois anos em uma campanha para que se estabeleça um registro global de quem são os beneficiários últimos dessas empresas “opacas”, de tal forma que se possa evitar que sejam utilizadas para evadir impostos, cometer fraudes, subornar, ou para outras práticas ilegais.
Para se ter um trabalho eficaz de investigação da corrupção, uma das regras principais é seguir o dinheiro
É um caso que transcende as fronteiras do Brasil. Estamos fazendo uma primeira averiguação entre os escritórios da Transparência Internacional nos países da região e há conexões com o caso Lava Jato em pelo menos sete países, onde as empresas construtoras brasileiras estão trabalhando. Então, há vários níveis em que a internacionalização pode se dar. Um deles já está funcionando, que é o intercâmbio de informações e assistência legal mútua. Nesse caso, o Brasil pode ser um ator passivo, quando lhe pedem o compartilhamento de informações, ou pode ser um agente ativo, quando pede informações a outros países como Suíça, Estados Unidos, e outros. Outro nível pode ser o de investigação conjunta, sobre o qual, apesar de não haver antecedentes, há possibilidades de concretização, porque a maioria dos países vinculados a este caso são subescritores da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Outro nível de internacionalização da operação é para se aprender as lições que vêm do caso, com eventos em torno da Lava Jato. Por último, nós, da Transparência Internacional, estamos implementando no país um centro de acumulação e processamento de informações para produzir as lições que se desprendam deste e de outros casos de corrupção e que possam ser compartilhadas com outros países.
Estamos organizados com base em escritórios nacionais, mas, nesse caso, teríamos a possibilidade de, independentemente de se ter ou não um escritório aqui, haver personagens da Transparência Internacional radicados em Brasília fazendo a operação de projetos que queremos implementar aqui. Um deles seria um plano nacional anticorrupção e outro seria um centro de conhecimento internacional anticorrupção.
Conheço os projetos vinculados às Dez Medidas Contra a Corrupção. Me parece que é urgente que o Congresso brasileiro atenda a esses pedidos, já que os que os estão pleiteando são procuradores especializados e, se eles estão pedindo, evidentemente é porque estão encontrando esse vazio que impede um trabalho mais eficaz. Há dificuldades que legalizam a impunidade, como, por exemplo, não haver um delito de enriquecimento ilícito, como há em todos os países ao redor do Brasil, ou que não haja um sistema de proteção dos informantes, ou que as penas sejam muito baixas e aplicadas efetivamente a poucos. Me parece que corresponde ao Congresso não adiar isso mais do que já foi adiado. Pelo que entendi, já houve bastante tempo perdido, porque as medidas começaram a circular há um ano e meio. Há dois milhões de cidadãos que firmaram apoio a essas políticas e o Congresso não pode demorar para implementar as normas, que podem se aplicar a eles em caso de corrupção. Acredito que, inclusive pela sua própria reputação, deveriam aprovar essas leis.
Há dificuldades que legalizam a impunidade, como, por exemplo, não haver um delito de enriquecimento ilícito, como há em todos os países ao redor do Brasil
Pelo que me foi explicado, creio que estamos falando de um caso claro de hostilização, com a denúncia massiva por parte dos juízes que se sentiram afetados pela falta de respeito, mas estão gerando a afetação de um dos direitos básicos dos jornalistas, que estão tendo que viajar por todo território do estado para dar explicações. O direito à liberdade de expressão é um direito fundamental, constitucionalmente reconhecido. Além disso, a prática nos tem demonstrado que, com uma imprensa livre e investigadora, se reduzem as opções de corrupção, ou pelo menos se pode ter a informação necessária a tempo para se poder estampar casos de corrupção. Entendo que, nesse caso, as matérias não tenham questionado a legalidade das informações, que são públicas, mas questionado o sistema em geral e, portanto, me parece que é desproporcional que haja uma reação desse tipo concentrada entre os juízes para gerar esse tipo de pressão.
Se tem claro a essa altura que as melhores regras para a liberdade de expressão é que não haja muitas regras. Na realidade, creio que, no nível global, pelo menos no mundo ocidental, estão claramente fixados os limites da liberdade de expressão. É verdade que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, mas deve haver certas limitações racionais. Há choque nos direitos a liberdade de informação e expressão quando há informação ou expressão desproporcionalmente injuriantes, insultantes, que não sejam de interesse público e que busquem ou tenham por objetivo desmerecer alguém de uma maneira consciente. Portanto, nesses casos, a liberdade de expressão cruza uma fronteira e pode ser responsabilizada legalmente, mas não é o que ocorreu neste caso [da Gazeta do Povo].
Se tem claro a essa altura que as melhores regras para a liberdade de expressão é que não haja muitas regras
A cada dia fica mais claro que a transparência é requisito fundamental para se ter acesso a informações, para se tomar decisões adequadas, e para se evitar casos de corrupção. Isso tem a ver com a possibilidade de a população ter acesso às informações. Portanto, creio que nas últimas décadas estamos diante de uma tendência a leis de acesso a informação nos países. Também agora, com as teorias de governo aberto, há uma série de medidas que permitem o processo de tomada de decisões com o manejo de informações transparentes de interesse de toda a sociedade.
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