Tempos de crise são solo fértil para projetos autoritários. No Brasil, a crise que se instaurou com a descoberta de um megaesquema de corrupção em Brasília – grande o suficiente para se abrir um processo de cassação da presidente – levou a uma tendência de voto maior do que o comum na extrema-direita. E o pré-candidato à Presidência que vem se beneficiando disso, pelo menos por enquanto, é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC).
Normalmente visto como um personagem apenas folclórico, dado a gestos histriônicos e a hábitos agressivos, Bolsonaro virou símbolo de revolta para alguns que se sentem descontentes com os governos mais à esquerda que o país teve em tempos recentes – especialmente nos 13 anos de domínio petista.
Réu por incitação ao estupro e injúria
Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) também transformou Bolsonaro em réu em razão de outra declaração. Na Câmara, ele disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merecia”.
A Corte entendeu que o deputado deve responder a processo por incitação ao crime de estupro e por injúria.
“O Bolsonaro é um exemplo de um discurso populista comum em tempos de crise de confiança no regime liberal, no Estado de Direito. Assim como ele, tivemos Silvio Berlusconi na Itália e estamos vendo o Donald Trump nos Estados Unidos”, diz o professor de ciência política e de ética Roberto Romano, da Unicamp.
Para Romano, no Brasil isso é facilitado pelo fato de a população estar acostumada com uma “ideia mágica” de que na política a vontade de um líder basta para que as coisas ocorram – quando na democracia o presidente, mesmo que queira fazer reformas, precisa discutir com o Congresso e com a sociedade. “Temos uma cultura forte de personalização na nossa política desde Getulio Vargas.”
Antidemocrático
As posições antidemocráticas de Bolsonaro foram explicitadas da maneira mais evidente no dia da votação da abertura do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara. O deputado, que sempre defendeu a ditadura militar, aproveitou o momento de seu voto para homenagear o coronel Brilhante Ustra – principal ícone da tortura no período – classificado por ele como “o pavor de Dilma”. Há suspeitas de que o próprio Ustra tenha comandado a tortura da presidente.
Segundo a professora Mara Telles, de ciência política da UFMG, a descrença na democracia é produto da crise econômica e também de uma frustração com a indiferenciação dos partidos. Mas, além disso, vem de um problema mais enraizado e cultural. “Várias pesquisas mostram que na América Latina há um porcentual alto de eleitores que aceitariam um governo não democrático que trouxesse bem-estar. A democracia fica dependente dos resultados econômicos”, diz.
Na contramão, pesquisa mostra rejeição a radicalismo
Apesar de ter chegado até aos 8% das intenções de voto em pesquisas para a Presidência da República em 2018, Jair Bolsonaro também enfrenta uma grande resistência. Em levantamento feito pelo instituto Paraná Pesquisas, por encomenda da Gazeta do Povo, 54% dos eleitores afirmaram que jamais votariam em Bolsonaro para presidente.
Para os cientistas políticos, isso se explica pelo fato de que candidatos extremistas em geral se dão melhor em eleições legislativas, quando podem atuar apenas em um nicho, do que em votações para o Executivo, quando em geral é recomendável ter posições menos polêmicas, que permitam a adesão de uma parcela maior da população.
A pesquisa, feita com 2.004 eleitores, mostra que 36,8% não sabem quem é o deputado. Questionados sobre a homenagem feita a Brilhante Ustra, apenas 10,1% dos eleitores disseram achar que a fala do deputado pode ser considerada “correta”. Mais de 79% afirmaram que ela foi incorreta. O levantamento também mostrou que 67% das pessoas consideram a atuação de Bolsonaro prejudicial à democracia.
A pesquisa foi feita entre 11 e 14 de junho em 162 municípios de 24 estados brasileiros. A margem de erro é de 2 pontos para cima ou para baixa num intervalo de confiança de 95%.
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