Dia 15 de janeiro, precisamente às 14h34, toca o meu celular. Do outro lado da linha, o coronel Elizeo Furquim, presidente da Associação de Defesa dos Policiais Militares Ativos e Inativos (Amai), surpreendeu-me com o que disse: "Nascimento: precisamos urgentemente da sua pena! Você, como jornalista, pode nos ajudar: o governador ainda vai se arrepender de ter colocado esse Francischini na secretaria; ele está implantando a 'cultura da violência' nas polícias do Paraná. Vai dar porcaria. Precisamos alertar o governador".
Não tive consciência, naquele momento, de que tinha ouvido uma declaração profética: apenas sete horas depois, a partir das 21h30 do mesmo dia 15, experimentei pessoalmente a violência policial de que falara Furquim. Na escuridão de ruas mal iluminadas e mal sinalizadas do Prado Velho, bairro para mim praticamente desconhecido, cometi uma infração de trânsito: entrei numa contramão! Dei-me conta imediatamente do erro ao ver o fluxo contrário de veículos e, após trafegar poucos metros, já procurava uma guia rebaixada que me permitisse fazer o retorno à mão certa.
Neste momento, uma viatura do BPTran, com sirenes ligadas, encosta no meu carro. Dela saltam dois soldados apontando pistolas para mim e berrando: "Desce do carro!!! Desce do carro!!!" Embora sem entender a razão de tanto autoritarismo, cumpri obedientemente (nem teria como ser diferente, né?) a primeira ordem e recebi outras em seguida: "Mãos na cabeça!!! Encoste no carro!!! E a senhora saia daí e se afaste! Se afaste!!! (Referiam-se à minha mulher, professora Regina Freire Maia, que ocupava o banco do passageiro)."
Fui, então, submetido a uma vexatória revista corporal. Protestei educadamente. Meus resmungos, já que não conseguia completar uma frase, eram interrompidos com ordens do tipo "cala a boca", "fique quieto porque podemos prender você por desacato". Pediram-me os documentos. Prontamente lhes entreguei a Carteira de Habilitação e documentos do carro. Enquanto um dos soldados mantinha a pistola apontada para a minha cabeça, o outro buscava informações pelo rádio acerca da regularidade documental. Não poderia obter outro tipo de respostas: CNH normal, válida até 2018, motorista sem pontuação; veículo em situação regular, IPVA e licenciamento pagos e absolutamente em dia. Estas informações não bastavam: o soldado queria mais pedia, também pelo rádio, informações sobre antecedentes criminais; passagens policiais, mandados de prisão pendentes etc. Ouviu a voz do interlocutor: "nada consta, nada consta, nada consta".
Ou seja: naquele momento os policiais poderiam ter-se dado conta de que estavam diante de um cidadão de bem e que não representava qualquer perigo mesmo porque, com meus quase 70 anos de idade, 1,65m e 57 quilos, certamente não tenho condições sequer físicas para enfrentar jovens policiais fortemente armados e vestindo coletes à prova de bala. Estava diante deles tão somente uma pessoa normal que havia cometido involuntariamente uma infração de trânsito, logo reconhecida e prestes a ser corrigida. Bastava-lhes notificar-me da multa e liberar-me. Isto seria o normal.
Mas para eles, não. Um dos policiais decidiu atravessar a rua e, na calçada oposta, usou o celular para falar com alguém. Não sei com quem nem sobre o quê conversaram durante cerca de cinco minutos. Ao voltar, nova ordem berrada: "Vamos vistoriar esse carro!!!" O PM provavelmente esperava encontrar armas e drogas dentro dele: revirou o porta-malas, levantou tapetes, remexeu objetos no porta-luvas, espiou todos os cantos do interior do carro. E nada!!!
Enquanto ele se decepcionava com o resultado frustrado de sua vistoria, eu cuidava para não ser vítima de uma "plantação" que lhes permitisse criar um falso flagrante para levar-me preso. Tudo pronto? Feito isto eu já poderia receber a notificação e ser liberado? Não, ledo engano. Fui empurrado para dentro da viatura policial para ser levado na esquina de trás, onde os dois policiais haviam iniciado antes o atendimento de um acidente. Minha mulher fez menção de assumir a direção do nosso carro para seguir a viatura. Foi impedida e obrigada a ir a pé enquanto o PM mais agitado (o outro era o encarregado de manter-me na mira da sua pistola) pegou o meu carro, - aliás, um bem privado que a ninguém é dado utilizar sem autorização.
A promessa era de que lá no novo local preencheriam a notificação. Normalmente, cinco minutos, se tanto, seriam necessários. Não foi o que aconteceu: os policiais retomaram o atendimento ao acidente enquanto me retinham ao lado da viatura deles. Neste momento, arrisquei-me a ligar para o coronel Furquim para contar-lhe o quão profética tinha sido a afirmação que me fizera à tarde. Nada lhe pedi, mesmo porque nem eu queria e nem cometeria o desrespeito de pedir a um líder militar com grandes serviços prestados à Corporação que mandasse suspender a notificação de multa; muito menos que repreendesse os policiais. Mas também por estar estarrecido com o que acontecia, o coronel pediu que eu passasse a ligação a um dos policiais, a quem simplesmente argumentou sobre a desnecessidade do constrangimento a que estavam submetendo um casal que não podia ser confundido com uma dupla de bandidos perigosos. E só. Isto é "carteiraço"? Diga-se de passagem: a sugestão de Furquim aos policiais não foi levada em consideração. Esperamos ainda mais meia hora para que me apresentassem o auto de infração e nos liberassem.
Pergunto: haveria necessidade para tanta violência, abuso de autoridade e desrespeito? Desobedeci ordens? Dirigi palavrões ou protestos? Pedi privilégios? Eu pretendia, por acaso, tratamento diferente daquele que uma polícia sensata, que se comporta com tranquilidade em situações que não ofereçam quaisquer riscos à sociedade, deve naturalmente dispensar a todos os cidadãos, independentemente de sua condição, ricos ou pobres, instruídos ou não?
Infelizmente, agora sob orientação do suposto secretário da Segurança aquele mesmo que construiu o mito de que teria prendido sozinho o mega-traficante Abadía a Polícia Militar parece se voltar para as trevas. Seria ele herdeiro dos tempos cruéis do "prendo e arrebento"? Está nas mãos do governador do estado fazer-se acompanhar de quem escolher.
No domingo, dia 18, saiu a coluna que assino na Gazeta do Povo, com o título "Cultura da violência na PM". Ela foi resultado do convite que recebi do coronel Elizeo Furquim para que ouvisse opiniões de oficiais que se reuniriam na sede da Amai sexta-feira (16) coincidentemente dia seguinte ao episódio de truculência de que fui vítima. Na coluna, resumi fielmente, jornalisticamente, sem emoções ou motivações pessoais, o que me disseram os oficiais na Amai e nada faria diferente mesmo que não tivesse sofrido os efeitos da "cultura da violência" que se dissemina nos quarteis insistentemente referida na reunião e que ajudei a denunciar.
Meu texto foi suficiente para que o suposto secretário de Segurança armasse, maliciosamente, boletins de ocorrência e depoimentos tomados às pressas de um dos policiais que agiram no meu caso para espalhar falsidades pelas redes sociais. Eu entrei na contramão da rua. O secretário entrou na contramão da História.
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