As letras jurídicas falam em desintrusão, mas no palavreado humilde dos 8 mil moradores de Pacaraima o que o Ministério Público Federal (MPF) quer mesmo é despejá-los da cidade. Ações movidas ainda em 2003 contra 100 "selecionados" instalou um clima de desconfiança e colocou em alerta a população desse pequeno município de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Ao rigor da lei, Pacaraima seria uma cidade condenada a desaparecer, já que não há um palmo sequer de terra que não esteja dentro de reserva indígena, território protegido dos não-índios pela Constituição Federal. "Ninguém arreda o pé daqui", contesta o presidente da Associação Comercial, Severo Messias Bacetti.

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O procurador da República em Roraima, Maurício Fabretti, diz que não há previsão de ajuizamento de novas ações além das já existentes. "Ao menos a curto prazo", pondera. Fabretti lembra, entretanto, que há uma rotatividade relativamente alta de procuradores no estado e a continuidade das ações dependerá do interesse dos novos ocupantes do cargo. "É possível que o procurador que esteja responsável pelo ofício indígena daqui a um ano, por exemplo, dê prioridade à propositura de novas ações, tendo em vista a independência funcional inerente às nossas atividades", observa.

O imbróglio começou em 1995, quando o então distrito da capital Boa Vista foi promovido à condição de município. A sede, porém, ficou dentro da Reserva Indígena São Marcos, homologada dois anos antes. Parte da zona rural de Pacaraima está dentro de outra reserva, a Raposa Serra do Sol, criada em abril deste ano. Todos na cidade são considerados posseiros, uma vez que não possuem o título da terra onde moram ou têm comércio.

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A intenção do MPF é devolver todo o território aos índios, os primeiros a chegar ao lugar, há cerca de 15 mil anos, segundo antropólogos, vindos possivelmente da Ásia pelo Estreito de Bering.

Pacaraima começou a ganhar forma de vilarejo há uns 200 anos, quando a coroa portuguesa achou por bem tomar conta do lugar diante da ameaça inglesa que descia pela Guiana. O núcleo urbano cresceu e se adaptou ao isolamento na floresta amazônica. Há uma década foi asfaltada a BR-174, de acesso a Boa Vista, mas continua o alto grau de dependência econômica da cidade venezuelana de Santa Helena de Uairén, à qual é ligada por uma rodovia. Segundo Bacetti, 95% do comércio mantém-se graças aos venezuelanos. Pacaraima não tem posto de combustível. Todos os motoristas compram gasolina em Santa Helena, a R$ 0,20 o litro.

Bacetti e a mulher, Michele Martins Terra, respondem a três ações de desintrusão do MPF, duas pelas residências e uma pela papelaria do casal. Ele acredita que o Supremo Tribunal Federal, que deve julgá-las, deve suspender em definitivo a proposta. A razão é simples: não haveria dinheiro para indenizar todos os desapropriados.

"É incompetência demais ou interesse demais, a gente não sabe", diz. Para Bacetti, um dos mais atuantes líderes da resistência ao despejo, só a presença dos brancos garantiria a soberania brasileira na Amazônia diante de uma eventual ameaça estrangeira. "Os índios não têm patriotismo para defendê-la", argumenta.

Faz tempo os índios tentam anular os decretos de criação dos municípios de Pacaraima e Uiramutã, este também na reserva São Marcos. Ainda na sua 32.ª Assembléia Geral, em 2002, os tuxaua denunciavam uma série de problemas decorrentes da presença de não-brancos em suas terras, como a disseminação de bebida alcoólica, prostituição, propagação de drogas, abuso de autoridade, agressões físicas e tortura, loteamento de terras e aumento de invasões. Há, por exemplo, 38 bares com venda de bebida alcoólica nas cinco vilas da reserva Raposa Serra do Sol. As sedes municipais e suas vilas são responsáveis ainda por crimes ambientais como o desmatamento desordenado e despejo de agrotóxicos. (MK)

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