João Ubaldo Ribeiro conta a história de um sujeito que entra em uma casa de câmbio e pede mil dólares. O funcionário passa o dinheiro estrangeiro e pede o pagamento. Mas o cliente muda de ideia. Pede para converter tudo em libras esterlinas. Quando o caixa troca os dólares pelas libras o sujeito agradece, levanta e vai saindo. O funcionário reclama. "O senhor não pagou", diz ele. "Claro que paguei, com os mil dólares que te entreguei", retruca o cliente. "Mas o senhor não pagou os dólares!", rebate o funcionário. "Claro que não. Por que eu vou pagar por algo que não vou levar?"
Como toda boa anedota, essa também tem sua sabedoria. Pode ensinar, por exemplo, que espertinho é o sujeito que tenta adaptar o argumento dependendo da situação, sempre tentando parecer que o que ele está dizendo é a verdade. No fundo, é uma verdade parcial, que acaba causando confusão, mesmo quando a verdade "completa", digamos, é bastante evidente. E isso tem muito a ver com política.
Ontem, por exemplo, começou a caça ao voto do indeciso. Indeciso, no caso, sendo praticamente todo eleitor que não seja militante de algum dos partidos envolvidos, que não seja funcionário público com medo de perder o cargo ou que não seja um aficionado por política. A maioria, sabemos, está disponível para ser convencida, e os programas de rádio e tevê são o principal meio para isso.
Já no primeiro dia, foi possível ver que o discurso de cada um varia de acordo com a necessidade. Alguns são velhos clássicos, verdadeiros chavões. O cara que nunca teve mandato diz que é preciso renovar. O sujeito que está na câmara desde o século passado (literalmente) argumenta que a sua experiência é fundamental. "O meu trabalho você já conhece", diz o bordão.
Mas a novidade é que agora os vereadores e mesmo os candidatos novatos precisam se posicionar sobre o maior escândalo da história recente da Câmara: o caso das verbas de publicidade que levou João Cláudio Derosso a perder um cargo e vários vereadores a ter de prestar explicações, inclusive desistindo da reeleição. O assunto é inescapável. Ou, pelo menos, deveria ser, já que é de renovar a Câmara que estamos falando.
Ontem, porém, a maior parte dos vereadores simplesmente evitou falar do elefante colocado no meio da sala. No meio da Câmara. Mantiveram o discurso de sempre, como se nada tivesse ocorrido. Claro que quem está de fora aproveitou a deixa para dizer que levará ética à Câmara (se dá para acreditar nisso, é outra história). Mas quem esteve por lá nos últimos quatro anos, quase sem exceções, fez cara de paisagem. Derosso? Que Derosso?
Os vereadores mostram mais uma vez que não agiram por indignação no momento em que abandonaram Derosso, aquele que elegeram por oito vezes seguidas para presidir a Câmara. Agiram porque viram que iriam afundar junto com o capitão do navio. Agora, fingem simplesmente que nada aconteceu, que não deixaram o barco correr durante quatro anos, que não foi só depois de denúncias da imprensa e do Ministério Público que "acordaram" de sopetão.
Eles pedirão votos com base na "experiência" que têm. Mas a experiência mais importante de seu mandato, essa eles querem que você esqueça.
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