Guadalupe vira palanque
O Terminal Guadalupe, no Centro da cidade, é uma espécie de zona franca da região metropolitana de Curitiba, a RMC. Por ali, passam diariamente 80 mil pessoas, vindas de 14 municípios diferentes. O local, claro, é perfeito para avaliar a "temperatura" da população. Foi o que fez a reportagem da Gazeta do Povo. Para surpresa geral, em conversa com 20 usuários (leia quadro nesta página), nenhum disse sonhar com o dia em que a capital e suas vizinhas mais próximas vão se transformar numa grande massa urbana o que são favas contadas.
A região metropolitana de Curitiba (RMC), apesar dos seus récem-completados 35 anos, ainda está longe de atingir a maturidade. O aglomerado urbano, que tinha originalmente 14 municípios, conta hoje com 26 localidades, espalhadas em uma gigantesca área de 15 mil quilômetros quadrados. É o maior território entre todas as regiões metropolitanas do Brasil. Com realidades tão distantes, que vão da rica capital até municípios como os do Vale do Ribeira, a RMC pode ser vista como uma metrópole em decadência, que não consegue melhorar seus indicadores sociais, os piores do Centro-Sul do país.
As cidades incluídas posteriormente à RMC são Campo Magro, Itaperuçu, Fazenda Rio Grande, Pinhais e Tunas do Paraná, que foram desmembradas de outras que já pertenciam ao aglomerado, no início da década de 90. Alguns anos depois, por decisão do governo estadual, foram incorporados Adrianópolis, Agudos do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulysses, Lapa, Quitandinha e Tijucas do Sul. Juntando com os da composição original, o grupo perde para os indicadores sociais da região metropolitana do Rio de Janeiro, formada por municípios violentos da Baixada Fluminense e fica empatado, em vários aspectos, com as regiões metropolitanas do Nordeste.
Historicamente, o papel de líder da integração metropolitana cabe à prefeitura de Curitiba, dado o poder político e econômico que ela tem. Mas essa liderança não tem nada de altruísmo ou heroísmo. O que fala mais alto, nesse caso, são os interesses próprios. Apesar de a capital do Paraná ser a mais rica da RMC, ela não poderia, de forma alguma, sobreviver sem os municípios vizinhos. Só para ficar em alguns exemplos, os moradores da capital dependem da água captada em outros territórios, das hortaliças do cinturão verde e dos territórios ainda vazios dos vizinhos, que podem receber desde investimentos de multinacionais, como montadoras, até projetos habitacionais ou mesmo o nosso lixo do dia-a-dia. Também há uma forte dependência de mão-de-obra. Dados de 2000 mostram que cerca de 145 mil pessoais saíam de alguma cidade da RMC com direção a Curitiba, para trabalhar ou estudar.
Esse povo todo, que se locomove prioritariamente de ônibus, é o estopim de uma das principais divergências entre Curitiba e seus vizinhos: o sistema de transporte. Atualmente, a Urbs (Urbanização de Curitiba), é a manda-chuva, mas os municípios todos querem ter voz no Conselho Municipal de Transporte, no aguardo de regulamentação e que será o gestor do transporte em pouco tempo. No entanto, o projeto do conselho prevê justamente o contrário. A Prefeitura de Curitiba terá quatro dos dez membros e os municípios vizinhos, apenas dois.
Liderança
Hoje em dia, pelo menos institucionalmente, a liderança nas discussões da RMC está a cargo do prefeito de Fazenda Rio Grande, Antônio Wandscheer, que assumiu no ano passado a presidência da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba (Assomec). No final do ano ele deixa os dois cargos e um novo presidente será escolhido. Que pode ser ou não o prefeito de Curitiba.
"A liderança da capital, no sentido da construção de uma agenda comum de ação com os seus vizinhos, só se legitimará se, de fato, representar e não substituir os liderados. Sem ousadia não iremos muito longe", observa Alberto Lopes, assessor técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). Para ele, o que mina as relações entre os municípios é a concorrência em vez de se unirem para se tornarem mais competitivos, acabam brigando entre si. "Quando se constrói um bom hospital em algum município que não seja a capital, se alivia a pressão da demanda naquele hospital tumultuado da capital. A economia de toda a região só tem a lucrar", exemplifica. E aí precisa entrar em cena um "justiceiro" social. As áreas e setores da população mais vulneráveis devem receber ajuda daqueles com mais densidade econômica, o que viabiliza a construção de um projeto metropolitano mais duradouro, diz o pesquisador.
O que atrapalha uma melhor integração é o municipalismo que reina no Brasil, diz o professor Fernando Rezende, da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sem união, as cidades dependem muito da intervenção governamental, o que também pode ser ineficaz. "Se as bases políticas que coordenam o estado e os municípios não forem as mesmas, fica difícil imaginar uma gestão compartilhada dos recursos." Para ele, o próximo prefeito de Curitiba, assim como o comandante de qualquer cidade-pólo, poderá fazer muito pouco por si só. "Mas o prefeito de uma capital tem as condições operacionais e institucionais para promover uma maior articulação e liderar um movimento político. Ele pode criar mecanismos que induzam à cooperação", acrescenta.
No último ano, Curitiba e 16 cidades da região uniram forças em torno do Consórcio Intermunicipal de Resíduos. Está em curso licitação para a escolha da empresa que fará o tratamento do lixo, ao mesmo tempo em que tenta se definir onde todo o material será depositado. Outro projeto que tenta sair do papel é o Consórcio da Saúde, que depende de investimentos do estado e da União. "No passado os consórcios eram limitados e variavam conforme as relações políticas de quem assumia um cargo eletivo. Mas, com outra formatação, podem funcionar muito bem", observa Rezende. Para Lopes, os consórcios têm sido úteis para a resolução de agendas setoriais ou específicas, mas podem gerar uma visão fragmentada dos problemas e das oportunidades da região.