Carcinoma
Quando há perda da diferenciação celular, mas não ocorre o rompimento da ligação proteica entre as células, é chamado de tumor benigno ou, como se convencionou chamar no passado, carcinoma. É justamente este nome que a comunidade médica pretende desassociar das alterações sem metástase, que estão no meio do caminho, mas que podem nunca chegar à etapa maligna.
Mais testes, mais mortes
Nos casos de câncer de pulmão e brônquios, a pesquisa norte-americana mostrou que a mortalidade cresceu 11% de 1975 a 2010, com 8% de aumento na incidência. Enquanto o câncer matava 43 pessoas em 1975, em 2010 foram 47 vítimas. Outro exemplo de aumento na mortalidade foi o melanoma, de 2,07 casos em 1975 para 2,74 em 2010, um aumento de 32%.
Temor leva ao tratamento
O medo é uma das principais gatilhos para gerar uma mudança na rotina dos pacientes, segundo Luiz Antonio Negrão Dias, oncologista do Hospital Erasto Gaertner e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia. "Se você tem uma ferida na boca porque se expôs ao sol e eu falo que é uma lesão pré-cancerosa e que você precisa sair do sol para não virar câncer, eu te assusto e você sai do sol. Se eu falo que é uma pinta de beleza e dou a mesma orientação avisando que aquilo pode se transformar em algo mais perigoso, talvez o impacto emocional não seja tão grande", exemplifica o médico.
Escutar de um médico que na biópsia foi identificada uma lesão pré-cancerosa pode soar como um decreto fatal e o início imediato do tratamento surge como a única saída. No entanto, nem toda lesão se desenvolve como um tumor maligno e os tratamentos precoces podem gerar riscos desnecessários. Para reduzir a ansiedade causada pelo termo câncer, especialistas norte-americanos das Universidades da Califórnia, do Texas e o Centro de Pesquisa do Câncer dos Estados Unidos sugerem alterar esta terminologia.
Em vez de câncer, carcinomas ou outras palavras que relacionam a lesão como maligna, as condições pré-cancerosas poderão ser identificadas pelo termo IDLE (lesões indolentes de origem epitelial). Estas representam estágios anteriores ao câncer e, muitas vezes, de malignidade muito baixa. "Isto acontece muito com o de próstata. Às vezes a lesão é muito pequena, de grau baixo, e o médico diz que só vai acompanhar, não tratar. Já tive pacientes que vieram a mim depois de passarem por vários médicos. O paciente não se sente confortável em ver o termo carcinoma e escutar do médico que ele só vai acompanhar a evolução", exemplifica Evanius Garcia Wiermann, oncologista clínico do Hospital Vita Batel.
Além da próstata, dados indicam que o diagnóstico precoce de câncer de mama também detecta mais lesões potencialmente insignificantes do que as que poderiam causar danos em pouco tempo. O risco, nestes casos, vem do supertratamento desnecessário, que ocorre com mais frequência nos cânceres de mama, pulmão, próstata e da tireoide. "Ao chamar a atenção para o nome, gera-se um estresse muito grande, uma preocupação exagerada de algo que não é tão maligno. O superdiagnóstico acaba se tornando um supertratamento. A cirurgia em tumores na próstata, em casos de lesões muito pequenas e indolentes, acaba colocando o indivíduo em risco de desenvolver um quadro de incontinência", explica Wiermann.
A mudança no nome é bem vista pelos especialistas, como o diretor do Hospital do Câncer III do Instituto Nacional do Câncer, Pedro Aurélio Ormonde, que acredita na influência da palavra câncer. "Às vezes você lida com uma lesão inocente e o paciente quer fazer a cirurgia de qualquer modo, por mais que você diga que não precisa. Outros trabalham bem o termo", diz.
Dados
Diagnóstico precoce favorece a identificação de lesões indolentes
O diagnóstico precoce dos cânceres de mama e próstata tende a detectar mais as lesões potencialmente insignificantes, segundo estudos desenvolvidos pelas Universidades da Califórnia, do Texas e o Centro de Pesquisa do Câncer dos Estados Unidos.
Se o câncer de mama incidia em 105 mulheres a cada 100 mil em 1975, e a mortalidade atingia 31 mulheres, em 2010 a incidência subiu 20% (126 mulheres), com queda na mortalidade para 22. O câncer de próstata que incidia em 94 homens, com mortalidade atingindo 31 deles, teve em 2010 a incidência aumentada em 54% (145) e queda na mortalidade em 30% (22 homens). Estes dados do artigo Superdiagnósticos e Supertratamentos do Câncer: uma oportunidade para o aprimoramento, da médica norte-americana Laura Esserman, foram publicados em julho no Journal of the American Medical Association.
Ainda em relação ao câncer de próstata, pesquisadores canadenses estudaram, ao longo de 20 anos, 60 mil casos da doença em todas as etapas, do grau quatro a seis (quanto maior, mais agressivo). Eles identificaram que nenhum dos pacientes apresentou metástase quando as células diferenciadas se desprendem das demais e percorrem outros órgãos, o que identifica o tumor maligno. Ou seja, não se transformaram em câncer. Para os pesquisadores, até o grau seis a lesão é pré-neoplásica e não precisa de tratamento, mas hoje, por receio dos médicos, pacientes que apresentam lesões neste grau são tratados.
Diagnóstico
Saiba como se detecta um câncer:
Primeiro critério: quando uma célula se divide, dando origem a uma célula filha, a célula mãe morre. Esta filha deve ser igual em massa à mãe e, quando isto não ocorre, caracteriza-se a perda da diferenciação celular. A alteração em relação à célula mãe ocorre por erros genéticos ou mutação decorrentes de hábitos de vida. Uma célula do pulmão de um fumante, por exemplo, tem mais chances de formar células filhas diferentes das mães do que em um pulmão de não fumantes.
Segundo critério: a chamada metástase. Além de a célula filha ser diferente em massa da mãe, as ligações entre as células (ocorrida por meio de uma ponte proteica desmossomo) se rompe. Assim, as células diferenciadas ficam soltas, podendo cair na corrente sanguínea e atingir outros órgãos, desenvolvendo colônias com massa diferenciada. Com este fator, caracteriza-se o tumor maligno.
Mudança de hábito
A difícil busca de garantias
Apesar de concordar com a necessidade de mudar a nomenclatura, alguns médicos se preocupam com o fato de que esta mudança possa reduzir os argumentos usados para convencer as pessoas a mudarem os hábitos de vida. "Não é fácil convencer um fumante a parar de fumar. A gente cansa de falar para as pessoas perderem peso e a obesidade só cresce", diz o oncologista do Hospital Erasto Gaertner Luiz Antonio Negrão Dias, também vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.
A troca do nome também pode criar dificuldades na hora de o médico explicar ao paciente que toda lesão, independentemente do grau que esteja, pode se transformar em um tumor maligno. "O paciente costuma perguntar: o senhor afirma que isto nunca vai virar em nada? Não temos como afirmar isso", comenta o diretor do Hospital do Câncer III, Pedro Ormonde. Segundo outros especialistas, é possível identificar o potencial maligno dessas lesões. "Na biópsia, a amostra é tratada com determinadas substâncias que permitem ao patologista contar as células, ver os padrões das mesmas, o comportamento e definir o grau da doença, a velocidade com que aquele tumor evolui, entre outros. São vários parâmetros que usamos isolados e em conjunto para definirmos se a lesão apresenta característica maligna e se tem um baixo ou alto potencial", explica o oncologista Evanius Garcia Wiermann.
É consenso que a tecnologia de detecção ainda precisa avançar. "Até um terço dos laudos podem dar resultados diferentes dos exames de biópsia em casos de câncer de próstata: uns vão achar que o câncer está no início, em grau cinco, outros enxergarão um estado mais avançado, seis ou sete. Não dá para relaxar o tom de voz com o paciente sem ter uma retaguarda de tecnologia que comprove o que falamos. Enquanto não tivermos uma boa estrutura para isso, prefiro hipertratar os pacientes a deixá-los sem tratamento", diz Luiz Antonio Negrão, vice-presidente da SBC.