Saúde e Bem-Estar

Efeitos de agrotóxicos para a saúde vão de infertilidade a câncer

Roberta Braga, especial para Gazeta do Povo
07/07/2018 07:00
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A ingestão de alimentos contaminados por agrotóxicos pode causar efeitos cumulativos para a saúde. Foto: Fancycrave/ Unsplash

A discussão do projeto de lei 6299/02 – conhecido como “PL do Veneno” – propõe normas mais permissivas no controle do uso de agrotóxicos. Entre as medidas que devem ser afrouxadas caso o projeto de lei seja aprovado estão a facilitação dos trâmites para a liberação do uso de agrotóxicos e mudanças na nomenclatura (como de agrotóxico para produtos fitossanitários).
O assunto acende o alerta vermelho para a saúde da população brasileira. Os números já são preocupantes: segundo estudo do Ministério da Saúde, entre os anos de 2007 e 2015 foram registradas cerca de 84 mil notificações de intoxicação por agrotóxico em todo o país, sendo que o Paraná foi o terceiro estado no ranking, registrando quase 13 mil ocorrências. Para especialistas da área, a proposta é taxada como perigosa no que diz respeito às consequências para a saúde.
“Deveríamos estar discutindo avanços e não um retrocesso. É uma proposta que relativiza a capacidade do agrotóxico de gerar dano e que desmonta um aparato regulatório já bastante frágil”, pondera o integrante do grupo temático Saúde e Ambiente da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Fernando Carneiro.
Foto: Bigstock.
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Os brasileiros ingerem agrotóxicos em frutas, verduras e na água diariamente. Além disso, é possível encontrar diversos tipos de químicos em um só alimento, aumentando o perigo. O princípio ativo, a concentração, o tempo e a forma de exposição (pele ou via oral) são os fatores determinantes para a gravidade de uma intoxicação por agrotóxicos – que podem ser definidos como substâncias usadas para controle de pragas agrícolas e domésticas.
Paulo Costa Santana, farmacêutico e diretor do Centro Estadual de Vigilância Sanitária do Paraná, explica que os efeitos no organismo são extensos e variáveis, sendo que a população mais vulnerável são os trabalhadores expostos diretamente aos produtos. Nas áreas urbanas, o consumidor é afetado de forma indireta pelo consumo de alimentos e água contaminados. Crianças, gestantes, lactentes, idosos e pessoas com a saúde debilitada são mais suscetíveis aos efeitos dos diversos agroquímicos utilizados no país.

Impacto imediato e em longo prazo

Fernando Carneiro explica que os danos para a saúde causados por essas substâncias são classificados em agudos e crônicos. “Os agudos são relacionados ao contato imediato com a produto tóxico, ao qual estão expostos, por exemplo, o trabalhador do campo, o morador de uma área que foi pulverizada e até mesmo o consumidor final que tenha ingerido algum alimento com altos índices de contaminação”.
Os sintomas e consequências dependem do princípio ativo do agrotóxico em questão e vão de dores de cabeça, vômitos, diarreia a dermatites, problemas respiratórios ou mesmo quadros neurológicos. “Existem pesquisas que mostram, inclusive, a relação entre essas substâncias e casos de suicídio”, alerta Carneiro.
Já os problemas crônicos são aqueles causados pela exposição a múltiplos resíduos de agrotóxicos e acúmulo pelo corpo ao longo do tempo. Nesses casos, a relação de doenças e complicações é extensa e preocupante, em especial em relação ao potencial carcinogênico de alguns químicos. Paulo Costa Santana cita o caso do o glifosato, o defensivo mais utilizado no Brasil (dados do Ibama de 2016), e que já foi reconhecido como possível carcinogênico pela IARC – Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, além de ser considerado um desregulador do sistema endócrino.
Embora a legislação atual estipule limites de uso das substâncias tóxicas, Carneiro ressalta que não é possível determinar uma quantidade segura quando falamos de algo que pode causar câncer. “Não podemos ser tolerantes”, crava.
Ainda dentro das consequências da intoxicação crônica, pesquisas científicas relacionam outras condições à exposição e ingestão de defensivos agrícolas. A lista inclui problemas cardiovasculares, respiratórios, gastrointestinais, metabólicos a impactos neurológicos ou renais.
“Alterações auditivas, quadros alérgicos, infertilidade e impotência também são relacionados aos componentes tóxicos”, ressalta Paulo. O Dossiê Agrotóxicos, elaborado pela Abrasco, cita ainda a contaminação do leite materno, casos de aborto e malformação, além de problemas de desenvolvimento em crianças e adolescentes.  
Carneiro ressalta que a capacidade dos agrotóxicos de causar danos à saúde é algo que é já é consolidado – o que não sabemos ao certo é a extensão desses problemas, uma vez que a ciência dispõe de menos recursos e, por isso, não acompanha a velocidade do mercado de agroquímicos.
Um dos principais pontos é o fato das pesquisas não contemplarem os efeitos cinéticos, que são as interações de uma substância tóxica com outras e podem potencializar as consequências. “Ou seja, existem muitos riscos que ainda não conhecemos. Isso faz com que seja necessário sermos o menos tolerante possível em relação à presença de químicos nos alimentos e na água”, pontua.

Lavar bem os alimentos adianta?

Os especialistas são unânimes: a única forma de prevenção totalmente segura é optar por produtos orgânicos. Entretanto, a Anvisa sugere algumas atitudes que podem abrandar os riscos, como preferir as frutas e verduras da estação (por serem expostas a uma carga menor de agroquímicos) e optar por alimentos rotulados com a identificação do produtor, estimulando o comprometimento dos produtos com a segurança dos alimentos.

A limpeza criteriosa dos alimentos: lavar em água corrente, limpar com uma escova e tirar a casca e folhas são alguns cuidados que podem ajudar na remoção dos resíduos que se acumulam na parte externa.

“Entretanto, isso não é garantia de um produto sem agrotóxico, já que alguns químicos penetram no interior, tornando a remoção inviável”, observa Paulo. Além disso, deixar os alimentos em uma solução com água e hipoclorito de sódio (água sanitária) – na medida de 2 colheres de sopa para cada litro de água – contribui para diminuir a contaminação por bactérias, mas não elimina resíduos de agrotóxicos.
Morango é uma das frutas mais contaminadas com agrotóxicos, segundo levantamento da Anvisa. Foto: Clem Onojeghuo/ Unsplash
Morango é uma das frutas mais contaminadas com agrotóxicos, segundo levantamento da Anvisa. Foto: Clem Onojeghuo/ Unsplash

Cuidado: veneno na mesa

O PARA – Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, realizado pela Anvisa e publicado no final de 2016 analisou 25 alimentos entre os mais consumidos pela população. No estudo, cerca de 60% das amostras de alimentos analisadas apresentaram resíduos de agrotóxicos, sendo 38,3% dentro do limite máximo recomendável e 19,7% acima ou com produtos não autorizados.
Ranking de alimentos de acordo com a quantidade de amostras com resíduos de agrotóxicos
Morango: 98,7%
Número de produtos diferentes encontrados: 48
Maçã: 98,69%
Número de produtos diferentes encontrados: 47
Pimentão: 97,9%
Número de produtos diferentes encontrados: 59
Uva: 95%
Número de produtos diferentes encontrados: 51
Tomate: 93,6%
Número de produtos diferentes encontrados: 63
Laranja: 81,04%
Número de produtos diferentes encontrados: 64
Feijão: 69,89%
Número de produtos diferentes encontrados: 45
Arroz: 44,77%
Número de produtos diferentes encontrados: 33
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