Saúde e Bem-Estar
Epidemia de H1N1 faz dez anos: confira os bastidores da operação de guerra contra a gripe
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Durante a epidemia, as máscaras se tornaram companheiras das pessoas. Foto: Henry Milléo/Arquivo/Gazeta do Povo. | GAZETA
Tosse, febre, dor no corpo: os sintomas da gripe, muitas vezes tratados com receitas caseiras, chazinhos ou, até, ignorados por algumas pessoas, passaram a causar medo há 10 anos.
Depois da pandemia de Influenza A, causada pelo vírus H1N1, que chegou ao Brasil em junho de 2009, a sociedade e, até a comunidade médica, nunca mais tratou a gripe da mesma forma.
“A pandemia de 2009 fez os médicos perceberem que influenza é um quadro grave, que mata, inclusive, pessoas saudáveis. As pessoas nunca acreditaram que gripe pudesse matar. Mas, com a melhora dos recursos diagnósticos e com o surto confirmando que as pessoas estavam morrendo de gripe, a influenza passou a ter um respeito maior da classe médica como um todo e da população”, comenta o ex-presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia Jaime Rocha.
Pessoas morrendo de gripe menos de 48 horas depois de manifestar os primeiros sintomas; hospitais e órgãos de saúde montando verdadeiras operações de guerra para atender as vítimas, até, em acampamentos; população se recolhendo em casa com medo do vírus, pessoas circulando de máscaras pelas cidades, grandes eventos e, até aulas canceladas para se evitar aglomerações, o cenário vivido entre junho e agosto de 2009 no Brasil e, principalmente, no Paraná foi de terror, com autoridades e população se mobilizando para enfrentar um inimigo, até então, desconhecido, que causaria, só naquele ano, 18,5 mil mortes no mundo, sendo 2.060 no Brasil e 393 no Paraná.
“A gente sabia que isso poderia acontecer e que vai acontecer novamente. Isso tem que ficar na nossa mente. A cada duas ou três décadas acontece uma mutação importante no vírus influenza trazendo esse tipo de repercussão. A gente já tinha vivido isso na gripe espanhola (1918) e em outras gripes do passado. Mas essa de 2009 mostrou para a gente que a escala global é, hoje, muito maior, pois a velocidade de expansão é mais rápida. Na época da gripe espanhola, o vírus circulou ao longo de alguns anos, e, em 2009, circulou na questão de dias”, explica o médico infectologista.

A mutação do vírus, conta, fez com que a Gripe A pegasse desprevenido o sistema imunológico das pessoas, atingindo, de forma indiscriminada, vítimas de todas as faixas etárias, mesmo com condições perfeitas de saúde.
“O H1N1 não é mais letal que os outros vírus influenza, mas você tem um número maior de pessoas suscetíveis, logo, matematicamente, vai ter um número maior de doentes e de óbitos. Os outros vírus, como circulavam há mais tempo, pegam mais as pessoas dos grupos de risco: pessoas nos extremos da vida: criança menor de 5 anos, idosos, pessoas com problemas respiratórios. O H1N1 pegou pessoas saudáveis e de todas as faixas etárias.”
O primeiro caso de H1N1 registrado no mundo ocorreu no México, em abril de 2009. Em maio, o Brasil já tinha casos importados da doença e, em junho, já vivia a epidemia. Sem vacina para o vírus naquela época, Jaime Rocha avalia de forma positiva as medidas adotadas no enfrentamento do surto e relativiza alguns exageros.
“Houve vários excessos, alguns positivos e outros que, só hoje, olhando retrospectivamente, percebemos que foram de forma exagerada, mas numa avaliação que só pode ser feita agora, pois parecia ser a medida correta no meio do surto”, diz.
O médico cita que foi durante o surto de Gripe A que se passou a levar a sério a questão da higiene de mãos. “Foi a primeira vez que se consumiu álcool gel de forma adequada, pois naquele mesmo ano a gente consegui reduzir diarreias, conjuntivites, algumas meningites, infecções hospitalares. Porque as pessoas se preocuparam mais com a higiene de mãos, se protegendo e protegendo aos outros de outras doenças, por consequência”, conta.
O desenvolvimento da vacina, disponibilizada já em 2010, no entanto, foi o grande avanço apontado pelo infectologista. “Se não fosse a vacina, o que a gente viu em 2009, a epidemia teria sido visto em vários anos em sequência. A gente segue vendo mortes por H1N1 e por outras influenzas até hoje, mas não em larga escala, porque as pessoas estão se vacinando”, afirma, fazendo um alerta.
“A impressão que dá é que o brasileiro tem memória curta. Passou um tempo sem falar em óbitos e sem um frio mais intenso, diminui a adesão à vacina. Ano passado, o inverno foi mais ameno, sobrou vacina. Esse ano, na região do Amazonas, começou a ter casos grave e aumentou a procura da vacina. As pessoas, apesar da lição, voltaram a ser reativas. Foram proativas num primeiro momento, mas agora volta a ser reativas, esquecendo a lição”, diz, orientando para que todos busquem a vacina, disponível na rede pública de saúde para os grupos prioritários (crianças, idosos, professores, trabalhadores na área de saúde) e na rede particular pra qualquer interessado.
Outra medida importante, desta vez para o tratamento da doença, lembra o médico, foi a desburocratização da liberação do antiviral Tamiflu para os casos suspeitos. “Hoje o medicamento está disponível em qualquer unidade de saúde, mediante a apresentação de receita médica. E isso é fundamental, pois, para o efeito desejado, o remédio precisa ser aplicado nas primeiras 48 horas”.
Ele explica que o diagnóstico, hoje, é feito de forma epidemiológica. “Com os centros de controle identificando que tipos de vírus estão circulando na região, o diagnóstico passa a ser clínico. Com os sintomas e o descarte de outras doenças, mesmo não tendo certeza de que se trata de influenza, o tratamento é feito.”
O mais difícil, cita, continua sendo o paciente procurar o médico dentro dessas primeiras 48 horas. “Influenza é um quadro bem agudo. Você está bem e, passa a ter calafrios, muito mal-estar, tosse, dor no corpo e febre alta. Não costuma ser um quadro mais arrastado, de evolução mais lenta, de nariz escorrendo, isso é mais sintoma de resfriado e outros problemas”.
Apesar de a estatística indicar o surgimento de uma mutação grave nos vírus influenza a cada duas décadas, o infectologista aponta que, passados 10 anos da pandemia do H1N1, não há, no radar dos órgãos mundiais de vigilância em epidemiologia, nenhum alerta sobre uma futura ocorrência nos próximos anos, mas o monitoramento segue rígido, com o objetivo de se identificar com antecedência suficiente para o desenvolvimento de novas vacinas antes mesmo de um próximo surto.

“Apostava-se, antes de 2009, que a gente teria uma gripe aviária, o H5N1, porque vinha aumentando o número de casos em humanos na região da Ásia. As pessoas nunca mais falaram sobre isso, e esses casos continuam sendo registrados. Mas esse vírus não conseguiu fazer uma adaptação para a transmissão por humanos. As pessoas pegam da ave, mas não passam de um humano para outro. Se ele evoluir e isso acontecer, esse é o próximo. Os vírus estão sempre se adaptando e sofrendo mutações. Se ocorrer, teremos um surto”, diz.
“Estávamos esperando algo ainda pior”
“A população aderiu. Cartazes em todos os estabelecimentos, álcool gel à disposição em todos os lugares, nossa mobilização foi bem efetiva e o grande segredo foi a informação. Não houve nem sensacionalismo, nem oportunismo, o problema foi tratado como uma coisa séria e a orientação foi priorizada”, lembra, citando que as ações do Paraná foram destaque no balanço da Organização Panamericana de Saúde no balanço que fez sobre a Gripe A em 2010.
“Foi uma verdadeira operação de guerra”
Mas ele não acredita que tenha exagerado. “Essas medidas radicais salvaram muitas vidas. Tem momento que se precisa ser radical. Não podíamos agir com normalidade se a situação estava bastante fora da normalidade. Qualquer medida para evitar que pessoas se contaminassem acho que foi adequada”, diz.