Perdemos a taberneira mais bonita da cidade. Muitos se apaixonaram por ela e os perdidos na noite a procuravam em busca de abrigo, delicadeza, alegria e conforto. Numa casa de repouso, faleceu Silmara (Mara) Rocha Sziecko, a Mara do Bar Kappelle – com letras duplas, como ela gostava de escrever a palavra capela no idioma alemão, que em Curitiba se traduzia como um templo da boemia.
Aberto em 1974, o Kappelle tinha a assinatura do antiquário e artesão Victor Sziecko, polaco com rara capacidade para decorar bares e restaurantes que lembram o habitat soturno do Vampiro de Curitiba. Entre eles a Velha Adega, a Cantina Baviera e, como não podia deixar de ser, o velho Kappelle da Barão do Serro Azul.
Casada com o Oswaldo, irmão de Victor, Mara manteve por bom tempo um tórrido romance clandestino com Paulo Leminski. Poucos sabiam do romance entre os dois polacos. Se encontravam com as portas do bar fechadas, como conta o escritor Toninho Vaz na página 230 da biografia “Paulo Leminski: o bandido que sabia latim”, obra muito procurada que a família do poeta insiste em esconder.
Durante algumas madrugadas Leminski foi visto como o último freguês a sair do Kappelle, quase sempre acompanhado. Mara confirmou: “Não vou negar este fato. Mas eu não esperava nada da relação com ele, apenas amizade. Ele ficava até o final da noite, quando eu fechava o caixa e saíamos pela madrugada. Era divertido e bem melhor que a solidão”.
Para a geração dos anos 1970 – início da revolução urbana de Curitiba –, com a Mara se foi uma parcela muito peculiar da memória da cidade. Democrático como deve ser um bar de portas abertas aos encontros e desencontros, no Kappelle as facções políticas da época não sentavam na mesma mesa, mas depois de muitos copos saíam abraçadas na bruma.
No inverno de 1983, o então prefeito Maurício Fruet bateu à porta do Kappelle e disparou em alto e bom som: “Todo lernista é viado!”. Vistoriou o ambiente do alto do seu bigode, cumprimentou a taberneira e percorreu o corredor ao encontro de alguns jornalistas que o aguardavam na “mesa da diretoria”, à direita, no final do balcão. Silêncio na taberna. Maurício Fruet, deputado federal, tinha sido nomeado prefeito poucos meses antes, para cumprir um mandato tampão de três anos, na sequência de Jaime Lerner.
Com o bar ainda em silêncio, Maurício se acomodou na mesa com seu chope escuro acompanhado do “Steinhaeger” e voltou à provocação: “Digo mais: quem for amiguinho do Jaime Lerner que se apresente! Deixo o viadinho sentar aqui no meu colo!”.
Para quem chegasse naquele exato momento, seria preciso explicar: Fruet era o PMDB no poder com a redemocratização; Lerner vinha de dois mandatos nomeados, mas com uma popularidade que a ditadura nem ousara sonhar. Maurício fez tamanha provocação porque sabia onde estava pisando, e sabia da popularidade de Lerner.
O novo prefeito só não imaginou que na mesa ali ao lado, um outro provocador também se encontrava: o artista plástico Rogério Dias se levantou e, para a perplexidade de todos, sentou-se no colo do novo prefeito. Isso como se fosse uma cena muda de Charles Chaplin, fechando o ato com o bar se esbaldando de tanto rir.
Se Maurício Fruet não conhecia quem pegou no colo, ficou sabendo. E se a freguesia do Kappelle desconhecia o espírito do novo alcaide, nunca mais ninguém haveria de esquecer aquela surpreendente e agradável noite de apresentações.
Das tantas histórias exemplares do Kappelle e do bom abrigo da Mara, muitas envolviam um garçom chamado Anésio – injustamente chamado de “Amnésio”. Algumas delas convém esquecer.
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