O ar e o vinho: o que fazer depois de abrir uma garrafa
20/03/2021 13:45
Depois de abrir uma garrafa, bebe-se o vinho, é lógico. Para isso é que se tira a rolha. Agora, entre a bebida ser vertida ao copo e desfrutada até o fim, haverá sempre um período que pode durar poucos minutos, horas ou dias. Mesmo que se beba a garrafa toda numa sentada, ela estará aberta durante o tempo do serviço. Quando sobrar, ficará para outro dia. Certo é que o vinho, diferente da maioria das bebidas, depois de aberto, transforma-se. E pode mudar muito – desde crescer e melhorar no começo até seguir em declínio até o ponto de arruinar-se e avinagrar.
A propósito, circulou muito recentemente pelas redes sociais o vídeo de uma jovem falando castelhano e afirmando que arrolhar novamente a garrafa não consumida por inteiro é “o pior erro que se pode fazer”. Dobrou a meta, explicando que após tirada a rolha, “por ser bebida fermentada, o vinho começa a expelir gases”. Se arrolhar de novo, diz que trava os gases dentro da garrafa e o vinho começa a avinagrar-se. Termina por recomendar que ao invés da rolha, tampe-se a garrafa com a parte superior da cápsula que envolve o gargalo.
Segundo ela, “tem dois furinhos”, “artigo de alta tecnologia”. Conclui indicando que por essa forma, o mais comum dos vinhos fica muito melhor depois de 3 dias: “o gás sai” e “o vinho pode durar até uma semana”.
Bom... Se sai gás do vinho depois de aberta a garrafa, de duas uma: é um vinho espumante ou frisante; ou simplesmente é um vinho estragado. Na verdade, gases não saem da garrafa aberta (ou do copo ou do decanter). Algumas substâncias voláteis podem sair, como o sulfuroso, protetor do vinho. Contudo, o fator mais relevante é justamente a entrada de ar. Por isso mesmo é que existe a rolha. Para impedir o contato do vinho com o ar. Do contrário, o vinho morreria rapidamente. Certa vez abrimos dois super rótulos da grande safra de 1948: La Tâche e Lafite Rothschild. O Borgonha saiu lindo, perfumadíssimo, exuberante. Em 15 minutos desapareceu, morreu, virou água com açúcar. O Bordeaux começou fechado e após uma meia hora no copo ficou magnífico e assim foi até o fim da prova, que durou umas duas horas e tanto.
O bandido, ou mocinho do filme, dependendo do papel do ator, é o oxigênio. Em contato com o vinho, acelera rapidamente as transformações na bebida – o famoso efeito da oxidação. Aberta a garrafa, num primeiro momento, que pode durar poucos minutos ou muitas horas, faz melhorar, arredondar a bebida, tornando-a mais suave e enaltecendo suas nuances. Depois desse pico, o vinho estabiliza e começa a cair, perder atributos, até avinagrar-se. A tampinha furada da receita de nossa amiga, sem a rolha, deixa entrar mais ar do que a rolha, arruinando o vinho mais depressa. A rolha é a maior protetora do vinho.
Outra coisa é controlar o processo de arejamento e oxidação do vinho depois de aberto, para que melhore durante o serviço e possa viver mais e melhor uns breves dias, acaso a garrafa seja guardado com o que sobrou. Algumas dicas a seguir nesses processos.
Dicas
Todo vinho sadio ganha com arejamento após aberta a garrafa. Para vinhos mais simples e abertos, basta o tempo de servir e umas volteadas no copo. No caso de vinhos mais estruturados, encorpados e jovens, recomenda-se abrir a garrafa com cerca de meia hora de antecedência ou mais, voltear mais a bebida no copo, ou decantar para forçar o arejamento inicial.
Um vinho não tem morte súbita ao abrir a garrafa. Pode é decair muito depressa, após uns dez minutos ou pouco mais, caso de vinhos muito abertos, químicos ou defeituosos; ou de alguns vinhos sadios, mas muito velhos.
Para guardar o vinho depois de aberta a garrafa, tampe-a com a própria rolha. Como alternativa, rolhas de borracha que funcionam como válvula. Com uma bombinha, vendida junto, tira-se o ar aumentando o tempo de conservação do que sobrou na garrafa.
Guardar na geladeira o que sobrou do vinho estende a vida da bebida. Tira-se para o ambiente de serviço um pouco antes de beber, e o vinho volta à temperatura de consumo.
A guarda da garrafa após aberta, por alguns dias, não estraga o vinho. O efeito é de diminur, lentamente, os atributos e a beleza inicial da bebida.
Se o vinho no dia seguinte estiver arruinado, é porque era um vinho defeituoso desde o começo; ou um bom vinho, mas muito velho.
Vinhos mais encorpados, com mais intensidade e qualidade superior, pedem maior arejamento e suportam mais o tempo depois de aberta a garrafa do que vinhos mais leves e abertos. O mesmo vale quanto a vinhos mais jovens em relação aos mais velhos.
Vinhos tintos gostam de mais arejamento. Brancos menos, roses quase nada.
Vinhos fortificados podem ser guardados depois de abertos bem mais tempo do que os comuns.
*GUILHERME RODRIGUES é advogado, enófilo, membro de importantes confrarias internacionais. Dedica-se ao estudo e à degustação de vinhos há 25 anos.
Este site utiliza cookies e outras tecnologias para conhecer melhor nossos usuários, exibir publicidade personalizada e aprimorar nossos serviços. Ao utilizar nossos serviços você concorda com a Política de Privacidade ePolítica de Cookies.