A indústria brasileira fez um milagre no pós-guerra. Em três décadas, ergueu setores pesados, como siderurgia, papel e cimento, incorporou novos segmentos, como o automotivo, e plantou a semente do ambiente onde surgiu a Embraer. Isso agora é história. Há mais de uma década a indústria perde espaço em uma competição global na qual vence quem incorpora mais tecnologia a seus produtos.
Desde o fim dos anos 90 até o início da atual recessão, as deficiências produtivas do Brasil foram amenizadas pelo boom das commodities e pela expansão do consumo interno. Esses fatores ajudaram o setor industrial a crescer, mas desde a crise internacional de 2008 o fôlego acabou. Nem mesmo pacotes para o setor automotivo e linhas de crédito subsidiadas resolveram.
No mesmo período, a economia brasileira perdeu contato com as nações que estão na ponta do desenvolvimento industrial. Sua participação no comércio global se concentrou em produtos de baixo valor tecnológico – o país entra nas cadeias globais de produção como um fornecedor de matérias-primas. Perdemos complexidade e capacidade de crescer no longo prazo.
O termo “complexidade” se refere a uma teoria recente sobre desenvolvimento econômico. Formulada pelo pesquisador César Hidalgo, diretor do setor de Macroconexões do MIT, em parceria com Ricardo Hausmann, diretor da Kennedy School of Government de Harvard, a tese da complexidade parte do princípio de que crescem mais as nações que incorporam mais conhecimento em sua produção, característica medida pela sofisticação dos produtos que comercializam.
O Brasil vinha bem até o fim dos anos 90. A industrialização promovida dos anos 50 até os anos 70 colocou o país entre os 30 mais complexos do mundo. Em 1995, a economia brasileira estava na 29ª colocação do ranking de complexidade. Em menos de duas décadas, até 2013, o Brasil caiu 22 posições. Está atrás de emergentes como Turquia, Rússia e Índia. E a uma distância enorme dos líderes Japão, Suíça e Alemanha.
Estrutura
A baixa complexidade da economia brasileira é detectada a partir de sua participação no comércio internacional. O índice usa esses dados como um sinal das áreas nas quais o país é mais competitivo e onde tem as suas aglomerações produtivas – setores da economia que demandam capacidades e conhecimentos parecidos. No caso do Brasil, mais da metade de sua presença no mercado internacional ocorre em produtos básicos, como minério de ferro, soja, açúcar e carnes. A indústria de alta tecnologia tem participação marginal.
“As economias mais sofisticadas têm redes produtivas mais complexas”, diz o economista Paulo Gala, estrategista e diretor do Fator Administração de Recursos e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O ranking mostra que países com concentração produtiva em commodities têm mais dificuldade em construir essas redes.” Isso ocorre porque o desenvolvimento econômico acontece com o encontro de “peças” de conhecimento que se encaixam ao longo do tempo para formarem produtos mais complexos. São necessárias mais peças para construir um satélite do que para produzir café, por exemplo. Indústrias de ponta, como eletrônica, farmacêutica, médica e química tendem a ser mais complexas do que atividades agrícolas e mineração.
A abordagem da complexidade é reforçada por pesquisas sobre a estrutura produtiva do Brasil. Em um estudo recente, o pesquisador Marcelo Arend, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), demonstrou que o peso da indústria intensiva em tecnologia (que ele define como o paradigma microeletrônico) no total da produção industrial caiu de cerca de 5% em 1996 para 2,4% em 2010. No mesmo período, o peso do setor básico passou de pouco mais de 20% para 33% do valor adicionado pelo setor industrial.
Essa evolução influenciou a balança comercial. Em 2000, o país chegou a ter 59% da pauta exportadora formada por manufaturas – no Paraná, o número chegou a 49% no mesmo ano. Em 2014, a participação havia caído para 35,6%, tanto no Brasil quanto no Paraná.
“A capacidade da indústria de agregar valor caiu ao longo do tempo em relação a outros emergentes”, resume o economista Jorge Arbache, da Universidade de Brasília (UnB). “Os países que conseguiram elevar a competitividade fizeram política de inovar para vender para fora. Nós protegemos o mercado sem ganhar em tecnologia.”