O desequilíbrio entre a inflação dos alimentos frescos (in natura) e o dos industrializados pode ter papel central na piora da dieta da maioria dos brasileiros. E, em parte, esse efeito é provocado pela melhora da alimentação de outra parcela da população.
A procura por uma dieta mais saudável fez saltar o preço de hortaliças e peixes, por exemplo -os produtos subiram 519% e 770%, respectivamente, desde 1994, após a estabilização da inflação com o Plano Real. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Enquanto alface (946%), contrafilé (710%) e batata-inglesa (846%) viraram campeões de alta de preço acumulada desde o Plano Real, alimentos processados ficaram relativamente mais baratos: subiram abaixo da inflação, de 425,86%.
Biscoitos, por exemplo, subiram 261%, e chocolates e bombons, 311%. Refrigerantes registraram aumentos levemente acima do índice inflacionário: 465%.
Ao mesmo tempo, o consumo per capita de alimentos processados disparou. De 80 quilos por pessoa por ano em 1990, passou a 110 quilos em 2013, o equivalente a comer 140 Big Macs a mais anualmente, de acordo com a pesquisa inglesa “The rising cost of a healthy diet” (“O custo crescente de uma dieta saudável”, em português).
O estudo aponta relação entre a alta de preços dos alimentos “in natura”, estabilização dos ultraprocessados e o aumento do sobrepeso, que, no Brasil mais que duplicou entre 1980 e 2013.
“Como o preço é muito importante na compra, isso é um determinante central para a epidemia de obesidade”, afirma o nutricionista Rafael Claro, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que contribuiu com a pesquisa do ODI (Overseas Development Institute).
“Muitos desses produtos têm ingredientes [sódio, açúcares] que os tornam altamente palatáveis”, diz o britânico Steve Wiggins, responsável pelo estudo. “Você ingere muito mais do que deveria. Ninguém come 16 laranjas, mas toma sem problemas um litro de suco de caixinha”.
AUMENTO
O economista-chefe do Icatu Vanguarda Rodrigo Melo também aponta que parte do aumento dos preços dos alimentos in natura se deve à aceleração da procura nos últimos anos, puxada por hábitos mais saudáveis.
Melo diz ainda que a alta do dólar é um dos vilões da inflação dos alimentos, sobretudo em 2015: “É o segmento que mais rapidamente repassa uma depreciação do câmbio”, afirma.
“E você não deixa de comer na recessão”, diz. A desvalorização do real no último ano fez com que o Brasil ficasse na contramão do preço global dos alimentos, que, segundo o Banco Mundial, teve retração de 14%.
Para a coordenadora de índices de preços do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Eulina Nunes dos Santos, chuva, frete e estradas ruins também fazem com que o brasileiro pague mais pelo que come.
ESTRATÉGIA
“O preço desses alimentos também é uma estratégia de marketing”, afirma Claro. “Quando foi a última vez que você viu um anúncio de fruta ou de hortaliça?”.
Wiggins defende mudanças na legislação. “Há espaço para um pouco de regulação, para influenciar as escolhas das pessoas”. O México e, mais recentemente, a Inglaterra, passaram a taxar refrigerantes.
Sob críticas, a indústria de alimentos faz campanhas de “educação alimentar”. A Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação) citou iniciativas de redução de sódio nos processados e programas que incentivam a escolha de alimentos saudáveis.