Se você usa algum produto cosmético como creme, xampu ou hidratante, deveria agradecer ao boi, ao suíno e ao frango pela possibilidade de ter uma pele lisinha, um cabelo macio e sedoso e uma maquiagem que não provoca irritações. Apesar de os fabricantes desses produtos não darem muita publicidade ao fato, algumas substâncias retiradas no processo de abate de animais para o consumo humano são essenciais para que os produtos de beleza produzam o efeito desejado.
É o caso principalmente das substâncias que ainda não possuem similares de origem sintética ou vegetal e que, portanto, são extraídas exclusivamente de fonte animal, como o colágeno – que confere elasticidade à pele - e o ácido retinóico, que é um composto do retinol (vitamina A) usado para estimular a regeneração da epiderme.
De acordo com a médica veterinária Renata Ernlund Freitas de Macedo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, outro componente comum de cremes para preenchimento de linhas de expressão é o ácido hialurônico. Nesse caso, algumas marcas de cosméticos já utilizam uma versão de origem bacteriana, produzida a partir de fermentação. Mas a origem mais comum ainda é a crista do frango.
Também existe a queratina, que é retirada de cascos de animais, e usada em xampus e condicionadores. “Quando a pessoa faz tratamentos capilares que podem resultar na quebra dos fios, a queratina é utilizada para fornecer uma capa protetora e dar firmeza ao fio de cabelo”, explica Renata.
Ácido esteárico e lanolina
Outros dois insumos de origem animal utilizados na indústria da beleza são o ácido esteárico e a lanolina, conforme explica Cristiano Ruaro, gerente de Cosméticos e Farmácia da Alpha Química, empresa que fornece essas substâncias para a indústria cosmética. Segundo ele, essas substâncias são usadas majoritariamente em produtos para pele e cabelo, como cremes e xampus. Elas têm características de emoliência, ou seja, deixam a pele mais macia e flexível, e dão consistência na formulação.
“A lanolina é retirada como um subproduto da tosquia e da lavagem da lã dos carneiros. Já o ácido esteárico [usado em produtos para pele ressecada] vem do sebo do boi, e é um subproduto que se aproveita também para outros mercados”, explica Ruaro. Mas tanto a lanolina como o ácido hialurônico, que hidrata e dá firmeza à pele, possuem substitutos de outras origens, conforme lembra a médica dermatologista Lilia Guadanhim, da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Já o colágeno hidrolisado, diz a especialista, é muito presente em suplementos alimentares, tendo a função de estimular o nosso organismo a produzir colágeno, melhorar a hidratação da pele e auxiliar no tratamento de unhas frágeis. “Ele pode ser obtido a partir da gelatina originada de pele de peixes, do couro e dos ossos de bovinos e suínos. A glicerina também é um ativo comum em hidratantes e pode ser obtida através de gordura animal ou de forma sintética”, esclarece a médica.
Segundo a médica veterinária e consultora Roberta Züge, diretora administrativa do Conselho Científico Agro Sustentável, os animais também fornecem insumos importantes para a indústria farmacêutica, como a heparina, um anticoagulante natural retirado do fígado dos bovinos e suínos. “Como se diz, do boi a única coisa que não se aproveita é o mugido”, sintetiza.
Segundo Roberta, somos muito dependentes dos produtos de origem animal, pois há uma dificuldade natural de sintetizar algumas substâncias em laboratório. É o caso da hialuronidase, enzima retirada dos testículos dos bovinos e utilizada no tratamento de gordura localizada, que necessita de um ser vivo para sintetizá-la.
Para Renata, o uso de produtos de origem animal representa uma vantagem, já que se pode usar um único componente para obter todas as funções que se espera do produto. Se for usar vários componentes de outras origens, será preciso combiná-los e ajustar os efeitos de cada substância, o que resulta em um produto mais complexo do ponto de vista químico e que nem sempre terá o resultado esperado.
“Um exemplo é o sebo de boi ou de carneiro, muito usado antigamente na fabricação de sabões. Hoje, ele ainda é utilizado para se fazer cremes hidratantes. Isso porque o perfil dessa gordura é semelhante ao perfil da gordura do ser humano, por isso tem uma melhor absorção pela pele”, esclarece Renata. Além disso, o sebo animal carrega vitaminas importantes.
Produtos naturais
De acordo com Renata Macedo, hoje há uma tendência de se voltar a consumir produtos naturais, orgânicos e de origem animal. Afinal, os compostos dessa origem têm um espectro de componentes mais adaptados ao funcionamento do corpo humano. Para a indústria também é vantajoso. O custo de produção é menor e a funcionalidade tecnológica das substâncias de origem animal é melhor, evitando o uso excessivo de produtos químicos, gerando menos rejeitos no processo de fabricação.
O uso desses produtos também é um exemplo de sustentabilidade, segundo os especialistas, pois aproveita-se 100% do animal que de qualquer forma seria abatido por causa da carne. E para quem acredita que isso seria prolongar o sofrimento dos bichos, Roberta diz que é o contrário. “Quem está preocupado com o bem-estar animal não é não consumindo o produto que vai ajudar. Você tem que se preocupar em buscar produtos cujos fornecedores e indústrias atendam às boas práticas de bem-estar animal na produção”, esclarece.
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