Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde 2013, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo é o responsável por colocar ordem na casa.| Foto: OMC/Divulgação

No mundo das negociações internacionais, os atores sempre falaram idiomas diferentes. Sim. É óbvio. Atualmente, porém, a tradução anda (bem) mais complicada que de costume, não exatamente no sentido literal, por questões linguísticas, mas pela falta de entendimento provocada por discursos inflamados e posicionamentos que tendem ao protecionismo, especialmente na maior economia do mundo, os Estados Unidos (EUA).

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Diretor-Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) desde 2013, o diplomata brasileiro Roberto Azevêdo é o responsável por colocar ordem na casa. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Azevêdo explica como a entidade tem atuado para não deixar que o mercado se converta numa Torre de Babel - ou, nas palavras dele, “num salve-se quem puder” -, além de salientar o papel do Brasil entre os conflitos, sobretudo no campo do agronegócio.

Fórum de Agricultura

O embaixador Roberto Azevêdo participa via videoconferência da abertura do 5º Fórum de Agricultura da América do Sul, evento internacional que reúne nos dias 24 e 25 de agosto, em Curitiba, especialistas de dez países para debater o agronegócio internacional a partir do ponto de vista sul-americano.

Inscrições e mais informações: agrooutlook.com

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Qual o papel da OMC num ambiente que tende a ser mais protecionista e como assegurar a concorrência sem interferir na soberania dos países?

De fato, há muita instabilidade no cenário internacional. Nesse contexto, o trabalho da OMC é ainda mais importante. A própria existência da OMC -- com suas regras, mecanismos de monitoramento e solução de disputas -- ajuda a evitar o unilateralismo e a proliferação de barreiras ao comércio. Ou seja, a própria existência da Organização ajuda a evitar uma escalada protecionista. Claro, vale lembrar que a OMC faz este trabalho a partir das regras acordadas pelos próprios países membros. Ou seja, são eles que decidem quais medidas devem ou não ser aceitas. Também são os próprios membros que decidem fazer parte desse sistema baseado em regras. Afinal, é melhor contar com ele do que deixar que cada país decida individualmente o que fazer, num salve-se quem puder.

A Parceria Transpacífico (TPP) era uma das grandes promessas das negociações internacionais, mas acabou frustrada por questões políticas/comerciais. Neste sentido, existe uma tendência de como serão as negociações internacionais no futuro?

Penso que vamos continuar a ver negociações avançando em diferentes formatos. É verdade que a nova administração dos EUA tem falado mais em negociações bilaterais. Ao mesmo tempo, vemos os países do TPP tentando avançar mesmo sem os EUA, num formato de 11 países ao invés dos 12 originais. Vemos a China, por exemplo, promovendo um acordo com vários países da região. Mesmo na OMC, nada impede avanços em grupos menores. Em 2015, um grupo de cerca de 50 países fechou um acordo na área de produtos de tecnologia da informação. Na mesma reunião, por consenso, os mais de 160 membros da OMC fecharam um entendimento na área agrícola. Ou seja, mesmo a OMC tem flexibilidade para acomodar negociações de tamanhos e configurações diferentes.

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A OMC sentiu alguma mudança após a posse de Donald Trump nos EUA, como o aumento de medidas protecionistas? Um exemplo disso é a questão do aço nos Estados Unidos, que vocês devem estar acompanhando de perto na OMC.

Os EUA têm algumas preocupações específicas em relação à Organização e às suas regras. Tanto os membros da OMC quanto eu, como diretor-geral, estamos prontos para escutar os americanos, entender suas preocupações e dialogar. O mais importante, no entanto, é que eles reconhecem a importância da OMC. O responsável pela política comercial dos EUA disse que se a OMC não existisse ela precisaria ser inventada. Faz parte do jogo querer negociar mudanças. Aliás, muitos querem. Neste momento, não há um aumento dos contenciosos contra os EUA ou iniciados por eles. Da mesma forma, por enquanto, não sabemos o desfecho da investigação que os EUA estão conduzindo sobre as importações do setor siderúrgico, mas muitos países, inclusive o Brasil, acompanham o tema com muita atenção.

Que resultados concretos as negociações da OMC trouxeram para o agronegócio brasileiro nos últimos anos?

Agricultura é uma prioridade e tivemos importantes avanços nessa frente nos últimos anos. O primeiro foi a eliminação dos subsídios às exportações agrícolas. Esses subsídios distorcem o mercado internacional fazendo com que produtores mais competitivos - e sem ajuda do governo - tenham que concorrer com produtores que estão recebendo subsídios para exportar. Em 2015, os membros da OMC finalmente concordaram em terminar com essa prática. Essa decisão ajuda a equilibrar as regras do jogo e é uma vitória histórica para o agronegócio brasileiro, que é bastante competitivo.

Outro resultado com impacto direto para o agronegócio foi o Acordo de Facilitação de Comércio da OMC, que ajuda a simplificar e harmonizar procedimentos aduaneiros em todo o mundo. O Acordo entrou em vigor em fevereiro deste ano e tem muito valor para o agronegócio, que exporta muito e para diferentes mercados. Além disso, a agilidade nas fronteiras é especialmente importante para quem lida com produtos perecíveis ou precisa de mais previsibilidade para importar insumos, em função, por exemplo, da época do plantio.

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Quais as perspectivas de novos avanços nas negociações comerciais na área agrícola?

Apesar de avanços significativos, ainda há muito trabalho pela frente. Os países estão negociando, por exemplo, como diminuir os subsídios destinados à produção doméstica, mas que acabam também afetando o mercado internacional. A União Europeia, o Brasil e outros países sul-americanos apresentaram uma proposta conjunta sobre isso recentemente. Alguns países, ao mesmo tempo, querem regras que permitam espaço para subsídios para programas de ajuda alimentar. Há visões muito diferentes sobre esses temas, não é fácil avançar, mas algumas ideias novas estão surgindo. Em outra área importante, a de barreiras sanitárias e fitossanitárias, o Brasil está propondo uma discussão com objetivo de reforçar a necessidade da utilização de base científica para medidas que afetem o comércio. A ideia é evitar que medidas sanitárias sejam usadas para dissimular interesses protecionistas. Não dá para saber se haverá algum tipo de entendimento, mas são ideias como essas que abrem o caminho para negociações.

O senhor acredita que as instituições multilaterais ainda são o melhor caminho para reduzir desequilíbrios e garantir a estabilidade global?

Claramente o interesse nesses assuntos aumentou. Os desafios do mundo estão nas conversas de bar, nas mídias sociais. A realidade é que, ao longo dos anos, as pessoas deixaram de se dar conta do valor da cooperação e das organizações internacionais para promover estabilidade, segurança e desenvolvimento em nível global. Quando isso é posto em xeque, percebemos o quão pior seria o mundo sem essa discussão global. Evidentemente que o multilateralismo está longe de ser perfeito. Mas quando pensamos seriamente num cenário em que cada um age por si, fica evidente que precisamos lutar para fortalecer – e claro – aperfeiçoar as instituições multilaterais.

Como o senhor vê a participação da América do Sul nas negociações internacionais relativas ao agronegócio?

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A América do Sul é um ator fundamental dessas negociações. E faz todo o sentido que seja. Um estudo recente da FAO e da OCDE mostra que, nos próximos 10 anos, a América do Sul se consolidará como principal fornecedor de alimentos do mundo, ganhando ainda mais participação internacional.

O potencial agrícola da região poderá ser muito melhor aproveitado se as condições internacionais permitirem. Ao mesmo tempo, a região tem muito a perder se as condições piorarem e o protecionismo ganhar força na área agrícola. De forma geral, os países da região têm grande interesse em eliminar distorções e barreiras ao comércio internacional e eles agem na OMC em defesa desses interesses.

Por exemplo, nas vitórias recentes que tivemos na área agrícola aqui na OMC, os países do Mercosul tiveram um papel chave. Nas discussões que ocorrem agora sobre limites aos subsídios domésticos, novamente temos países da América do Sul na liderança. Vários deles têm capacidade técnica e política de aproximar posições e construir soluções. Acredito que, para avançar, a região precisa continuar à frente dos debates, encontrar aliados e convencer os países mais resistentes. O equilíbrio certo entre realismo e ambição é também importante.

O mundo está em um momento favorável para intensificar as negociações comerciais e aumentar o fluxo de trocas?

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Participo de negociações comerciais há muitos anos, e costumo dizer que não podemos depender de um momento favorável para avançar. Uns dizem que, em momentos de crise, é praticamente impossível negociar a abertura comercial. Outros dizem que, em tempos de pujança, a percepção é de que acordos comerciais não são tão necessários. Precisamos ser pragmáticos e pensar no longo prazo. Especialmente em negociações envolvendo um grupo enorme de países, como ocorre aqui na OMC, não dá para se perder nas circunstâncias econômicas e no momento político de cada um. O desafio é encontrar temas de interesse comum, construir convergência e dar o passo que for possível. Pense, por exemplo, num tema como a desburocratização do comércio internacional. Fechamos um acordo global sobre isso porque todos tinham interesse nessa agenda. Todos saíram ganhando. Não podemos simplesmente esperar um momento ideal.