Para os médicos, a maior doença no mundo é a depressão, até porque causa outras doenças. Mas, cá entre nós, a maior doença é o preconceito, que, além de vitimar o portador, atinge até quem está longe.
Adolescente, pratiquei preconceito contra um escritor que hoje muito admiro, Dale Carnegie, autor de um dos primeiros livros de autoajuda, Como Fazer Amigos, de 1935. Devorador de livros, eu via gente lendo aquele sujeito que na capa aparecia de gravata borboleta, e me dizia não, quem usa gravata borboleta deve ser um panaca, e nem folheava seu livro.
Hoje sei que seria mais próspero, teria errado menos e acertado muito mais se tivesse lido Carnegie lá, quando o espelho mostrava que eu tinha espinhas em vez de rugas. Só fui ler seu livro aos cinquenta, graças a Dalva, que me botou o livro no colo sem dizer uma palavra. Quando agradeci depois de ler, ela perguntou porque eu nunca lera esse long seller, aí revelei:
É que nas fotos ele usava gravata borboleta.
Ela retrucou pasmada:
Mas ele escrevia com a gravata?
Augusto dos Anjos foi outra vítima de meus preconceitos. Também adolescente, quando lia poesia como quem respira, decorei alguns de seus sonetos de tanto ler. Depois, fui ler seu único livro, o Eu, e, diante de tantos poemas sobre a morte, decretei que era muito mórbido, encostei o livro.
Reli décadas depois, descobrindo então que a morte é para Augusto apenas pretexto para falar da vida, com uma graça que às vezes parece até de desenho animado: "O Céu estava horrivelmente preto/ e as árvores magríssimas lembravam/ pontos de admiração que se admiravam/ de ver passar ali meu esqueleto!"
Tive um colega de faculdade que era fanho, voz meio fina, mas fazia teatro. No Auto da Compadecida fazia o papel do padeiro, traído pela mulher, e assim a voz calhava para o personagem.
Nos formamos e foi cada um para seu lado. Mas o velho destino quis que um dia eu topasse com ele em Curitiba. Depois do abraço e das lembranças, perguntei o que fazia, respondeu que era professor, pois não tínhamos feito o curso de Letras que forma professores? Mas explicou que não mais dava aulas:
Sou diretor do colégio.
Perguntei se colégio público ou particular, falou que era particular, com "apenas dois mil alunos" mas não era fácil dirigir, tinha até receio de se estressar. Perguntei porque não deixava a direção e voltava a dar aulas, ele disse que não podia:
Tenho de dirigir. O colégio é meu.
E eu pensava que ele fosse apenas um fanho de voz fina.
Demorei para comprar Maria Batalhão, de Dante Mendonça, achando que era mais um romance picaresco sobre putas e boemia. Se pouco gostei de Pantaleão e as Visitadoras, do Vargas Llosa, não iria, pensou meu preconceito, gostar de um livro do Dante sobre o mesmo assunto.
Até que comecei a ler e descobri que é um baita romance, gracioso e envolvente, e a putaria é só pretexto para um belo texto. O preconceito é cruel.
Outro amigo, que achava mulher de canela grossa "ruim de cama". Conheceu a mulher num baile, dançaram, casaram, vivem felizes, e ele ainda se espanta:
Se ela não estivesse sentada, eu teria visto suas canelas grossas e nem teria tirado pra dançar!
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