Formato vai servir a um nicho de mercado
Com o advento do MP3 e da internet em alta velocidade, a indústria da música vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que a tecnologia pulverizou as fronteiras (tanto geográficas como temporais), facilitando incrivelmente o acesso a qualquer tipo de música, esse tsunami de informações parece atordoar o ouvinte, que muitas vezes entra em contato apenas com o webhit, o clipe que bombou no YouTube baixa esse único sucesso, e nem sequer se preocupa em conhecer o restante da obra do artista. Isso não representaria um risco para a sobrevivência do álbum como o conhecemos (seja LP, CD ou virtual)?
Uma imagem pode dizer tudo
A arte de um disco passa necessariamente pela capa. De associações entre músicos e ilustradores, fotógrafos ou designers resultam obras inesquecíveis que não só complementam a proposta musical da banda como também ajudam a criar uma identidade visual marcante. Como esquecer a imagem dos quatro Beatles atravessando uma faixa de pedestres em Abbey Road, ou o prisma que refrata a luz em Dark Side of The Moon, do Pink Floyd, ou mesmo a criança que nada atrás de uma nota de dólar presa a um anzol em Nevermind, do Nirvana? Capas como essas se tornaram sinônimos imagéticos de seus respectivos artistas. Não é preciso dizer nada. Uma imagem vale mais do que mil palavras, afinal.
Nos anos 1960, os Beatles lançavam compactos com duas músicas. Lado A, lado B. Todos se rendiam a "Penny Lane" e "Rain", canções que surgiam a conta-gotas, mas que eram aguardadas com a mesma expectativa que um casamento real devido à crescente popularidade da banda. O mesmo fez Bob Dylan, que jogou no mundo "Blowinin the Wind" e "Dont Think Twice, Its Alright", em 1963. O rádio era o catalisador desses sucessos, lançados em forma de singles. Depois, vinham os álbuns, os LPs.
Confira uma galeria de capas de álbuns que entraram para a história do rock
Muitos destes são mais do que compilações de músicas. Alguns só devem ou deveriam ser ouvidos do começo ao fim, sem interrupções, porque têm uma história para contar. Pense em Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967), o primeiro disco que ganhou o rótulo de conceitual Little Deuce Coupe (1963), dos Beach Boys, estava mais para temático, e Freak Out! (1966) de Frank Zappa & The Mothers of Invention, para piada.
Em resumo, Sgt. Peppers é uma gravação que posa como apresentação ao vivo, tocada por uma banda mundialmente famosa em que estão músicos que fizeram parte de uma banda outrora famosa. É o show que os Beatles da vida real nunca fizeram e um álbum genial. Houve ainda The Wall (1979), no qual os ingleses do Pink Floyd piraram e criaram uma obra para ser apreciada desde o momento em que se vê a capa do disco. E outros tantos, inclusive brasileiros, que ajudaram a criar o culto ao álbum, representado pelo envolvimento afetivo com uma coleção de músicas não aleatoriamente dispostas. Mas aí chegou a internet.
Talvez pela efemeridade que o próprio meio sugere, muitos artistas se lançam ao mercado por meio de faixas isoladas. Concentram suas atenções em uma única música e fazem de tudo para divulgá-la, inclusive com clipes, teasers e outros truques sites como iTunes vendem a rodo. Mallu Magalhães começou assim. E, você deve lembrar, a Banda Mais Bonita da Cidade foi notícia até na Itália por conta de um videoclipe inspirado.
Comparando com os singles, hits de décadas atrás, a impressão que temos é que a forma de consumo pouco mudou. Saiu o rádio, entrou a internet. Pode até ser verdade. Mas a pergunta que se faz é: na forma atual de se consumir música, ainda há lugar para o conceito de álbum, um apanhado de ideias que se torna invariavelmente algo mais denso do que a fragilidade de uma só faixa?
"Como consumidor, sou capaz de baixar uma só música. Não tenho problemas quanto a isso porque posso gostar de uma só canção de um determinado cara. Mas como artista, preciso do álbum, dessa compilação. É ela que organiza a minha vida, a minha cabeça, o que eu quero dizer", diz o paulista Rômulo Fróes, um dos bons representantes da chamada Nova MPB.
Sempre discutindo questões que envolvem o consumo de música, Rômulo teve a pachorra de, em 2009, lançar um álbum duplo. No Chão sem o Chão é uma bolachona de 33 faixas que, sim, dialogam entre si. "Para mim, só é possível organizar minha arte em um álbum. Se eu começar a gravar e colocar na internet, a percepção sobre minha arte vai ficando cada vez mais difícil", diz Rômulo, que está de disco novo. Um Labirinto em Cada Pé lançado este ano. Tem 14 faixas.
A discussão sobre o fim do vinil agora sobre o fim do CD caminha em paralelo. Na opinião de Rômulo, é por causa dessa necessidade de alguns artistas, e não por causa da falta de comprometimento do público, que o álbum irá persistir. "O Chico acabou de lançar um disco novo e não se fala em outro assunto", explica um defensor da internet.
Rômulo trabalhou muito tempo em uma loja de discos. Leu certa vez que o primeiro samba gravado no país no início do século 19 foi "Pelo Telefone", de Donga e Mauro de Almeida. "Demorei um ano para ouvir aquela música. Hoje é só dar um clique e pronto. "Quem acha que a internet acabou com a música é de uma imaturidade absurda. Ela expandiu. A diferença agora é que é o público quem manda".
Última oração?
A Banda Mais Bonita da Cidade foi assunto internacional, apareceu no Fantástico e ganhou matéria no Washington Post por causa de uma música e de um videoclipe. "Oração" é o nome da canção. O grupo curitibano poderia se valer da onda e se firmar como uma máquina de singles. Mas optou pelo álbum, ainda que previamente definido como "uma colcha de retalhos", já que será gravado tanto em estúdio quanto em outras locações.
"O alvoroço que pode ser causado por um álbum também pode acontecer com uma ação. Um vídeo, um single. Por causa da internet, a abrangência pode ser a mesma do que teria um disco completo" diz Rodrigo Lemos, guitarrista do grupo e velho batalhador na cena musical curitibana ele era o líder da banda Poléxia.
Como artista, o pensamento é quase o mesmo de Rômulo. "Adoro pegar um álbum e extrair o seu conceito. Descobrir o porquê de as faixas estarem juntas, ordenadas daquela forma", conta.
O álbum da Banda Mais Bonita... está sendo criado de forma colaborativa. Os fãs pagam o que querem para ajudar na produção. Onze faixas conseguiram atingir as "metas", e o disco está na contagem regressiva para ser lançado. "Apostamos em uma ideia que nós mesmos propusemos. Se só cinco faixas atingissem a meta, iríamos lançar mesmo assim", aponta Lemos, afirmando que álbuns conceituais ainda têm espaço. É o caso, segundo o músico, de Funeral (2004) e The Suburbs (2010), discos da banda canadense Arcade Fire que encantam os ouvintes mais preocupados com a mensagem do que com o meio.
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