Com o advento do MP3 e da internet em alta velocidade, a indústria da música vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que a tecnologia pulverizou as fronteiras (tanto geográficas como temporais), facilitando incrivelmente o acesso a qualquer tipo de música, esse tsunami de informações parece atordoar o ouvinte, que muitas vezes entra em contato apenas com o webhit, o clipe que bombou no YouTube baixa esse único sucesso, e nem sequer se preocupa em conhecer o restante da obra do artista. Isso não representaria um risco para a sobrevivência do álbum como o conhecemos (seja LP, CD ou virtual)?
Para os colecionadores e ex-lojistas ouvidos pela reportagem, a extinção total do formato é improvável. Mas, assim como o LP hoje, o álbum vai passar a atender a um nicho de mercado: os nostálgicos, curiosos e aqueles que ainda sentem a necessidade de ter uma obra musical "física". "Não acho [que o álbum vai desaparecer]. Talvez diminua ainda mais a venda de LPs e CDs, da mídia física, mas assim como o vinil foi dado como morto e ainda está aí, pode haver uma volta do CD", acredita Horácio De Bonis, de 47 anos, ex-proprietário da 801 Discos e dono de uma coleção de mais de 5 mil títulos, entre LPs e CDs. "A molecada que hoje se contenta em baixar música na internet vai crescer, um dia eles vão se tornar profissionais com poder aquisitivo, e, por nostalgia, podem querer comprar os CDs das bandas de que gostavam."
Ele faz uma analogia com a música erudita: "Na época dos compositores clássicos, não havia disco. O registro da música erudita era a partitura, e ela está aí até hoje. Claro que o universo não é tão vasto, que ela atende a um público específico, mas sobreviveu. É o que pode acontecer com o álbum na música pop: talvez não seja um grande mercado, mas a música necessariamente vai precisar de algo físico para sobreviver. E esse processo passa pelas gravadoras independentes: elas vão continuar existindo, os grupos, sejam grandes ou pequenos, vão gravar por elas ou fazer como o Radiohead, que está se autogerindo", considera. "As gravadoras grandes é que vão ter que se virar."
Embora seja da geração dos LPs, Horácio nem por isso demoniza a música digital. "É muito bom poder conhecer a música antes de comprar, sem precisar arriscar a grana. Mas eu sou um cara que consome, se eu gosto eu vou lá e compro o CD ou o vinil", ressalta. "Além disso, a internet permitiu o resgate de músicas que estavam esquecidas, que muita gente jamais ia ouvir... canções tradicionais de várias partes do mundo, gravações antigas e raras de rock ou jazz, hoje a gente pode ter acesso a tudo isso."
Consumo
O empresário Odilon Merlin, de 43 anos, que entre 1989 e 2001 comandou a Temptation Discos e hoje dirige o bar Era Só o Que Faltava , acha que todos os formatos vão coexistir: "Hoje tem de tudo e vai continuar tendo de tudo; vai ter gente comprando vinil, CD e baixando música na internet".
Para ele, um dos problemas da atual forma de consumo da música é a sua desvalorização enquanto expressão de arte. "O conceito de álbum começou com o Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, que foi a primeira obra completa em si. A partir daí, quase todos os discos passaram a ser conceituais, ou pelo menos tinham uma certa uniformidade", relembra. "Um álbum era como se fosse uma escultura ou uma pintura, um objeto com o qual o músico se expressava. Depois que a música virou commoditie, perdeu-se essa expressão da arte. Muitas vezes você nem sabe quem gravou aquilo".
Um efeito colateral dessa perda de status da música, segundo Odilon Merlin, é a crescente falta de personalidade musical dos jovens. "Parece que há um processo de emburrecimento sistemático das gerações. Quanto mais o tempo passa, a coisa vai ficando mais rasa, de fácil deglutição. As gerações anteriores à minha curtiam uma música mais elaborada do que as que eu gosto, e as gerações que vieram depois consomem uma música cada vez mais primária. É só ver as capas da [revista] Rolling Stone de hoje: só tem Britney Spears, Lady Gaga, Katy Perry... no meu tempo, isso se chamava poperô da Jovem Pan", compara. "É por isso que os jovens de hoje vão quarta-feira ouvir sertanejo na Woods, quinta na balada eletrônica da Liqüe e sexta no show do Exatalsamba."
Jardel Simões, de 35 anos, que vende discos na Fnac e possui uma coleção de quase sete mil LPs (além de mais de dois mil CDs), também acredita que o álbum vai atender a um gueto. "Ele caminha para servir a um nicho, os colecionadores, nostálgicos e curiosos. Eu, particularmente, não baixo música nem para conhecer. Tenho a necessidade de ter o objeto físico", reforça.
De berço
Ele concorda com Odilon quanto à perda de valor artístico da música. "As pessoas só querem a música que está fazendo sucesso... perdeu-se o interesse em conhecer as outras músicas do álbum, e mais ainda de quem participa dos álbuns", observa. O "antídoto" para essa desvalorização da música, segundo Jardel, depende de uma boa educação musical. "Tem que vir do berço, da família, ou da escola. Se não vai complicar, todo mundo só vai querer ouvir Victor & Leo ou Paula Fernandes", resume.
De fato, uma boa influência (hereditária ou afetiva) pode fazer toda a diferença. É o caso de Yuri Vasselai, de 22 anos, baterista da banda Trem Fantasma e também colecionador e comprador entusiasta de LPs e CDs. "Comecei a ouvir música com sete anos de idade. Minha mãe [Rita Magalhães] teve uma banda nos anos 80 [a Marca Registrada], o que me despertou o interesse pelo rock. A internet foi uma mão na roda, porque, além das músicas, me permitiu trocar figurinhas com pessoas de outros estados com os mesmos interesses", diz. "Tem gente que se contenta em entrar no YouTube e ouvir a última música dos Strokes, mas eu prefiro garimpar blogs que tratam de músicas antigas." Ou seja, ainda há esperança...
Rússia burla sanções ao petróleo com venda de diesel e Brasil se torna 2º maior cliente
Entenda o que acontece com o mandato de Carla Zambelli após cassação no TRE
Eleições no Congresso: Câmara e Senado elegem novas lideranças; ouça o podcast
Sob Lula, número de moradores de rua que ganham mais de meio salário mínimo dispara
Deixe sua opinião