Existe em nós uma luta constante do consciente com o inconsciente, um conflito entre a vontade de realizar nossos desejos e as regras sociais que cerceiam nossas pulsões. Essa ambivalência surge do antagonismo entre o amor e o ódio, motores fundamentais do mundo e fio condutor que nos guia vida afora. Ao perceber que amor e ódio nos aproximam e nos afastam, o médico, filósofo, legislador e profeta Empédocles (495-435 a.C.) elevou-os à categoria de "forças antagônicas cósmicas" capazes de atrair e repelir. Nesse movimento eterno, o amor atua quando prevalece a harmonia e o ódio se impõe quando prevalece o desequilíbrio.

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Segundo Sigmund Freud (1856-1939), o impulso assassino está no inconsciente. Há em nós, portanto, um "desejo original" de matar, daí a necessidade de um interdito da morte para evitar que saiamos matando uns aos outros. Freud sugere que o ódio precede e predomina sobre o amor, e para que consigamos viver de maneira civilizada junto com outros iguais, precisamos controlar esse sentimento. Daí vai surgir uma forma de defesa contra as tendências criminosas incoscientes. Mas, convenhamos, não nos é fácil controlar a inclinação para a agressão. Amor e ódio são afetos primitivos nascidos de representações e desejos conscientes e inconscientes.

O ódio interage ainda com outras paixões humanas, é também um devedor do medo, nascido que é nos interstícios das nossas inseguranças. Quanto maior o sentimento de inferioridade, mais propensão para odiar. Grosso modo, ódio é a paixão que nos impele a causar ou desejar mal a uma pessoa, a sentir repugnância, antipatia, desprezo, rancor, ter aversão a alguém, a alguma coisa ou atitude. Está mais assentado à raiz da alma do que a raiva. Não há ne­­cessidade de que algo nos seja importante para que dela tenhamos raiva, mas para odiar é preciso dar-lhe algum valor. Só amamos ou odiamos aquilo que para nós tem alguma importância.

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Coube a Sócrates (469-399 a.C.) um primeiro filosofar sobre o amor. "O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor", disse. Platão (428-348 a.C.) confirma a tese socrática de que todo amor é mesmo a falta consciente e vivida do seu objeto. Assim, o amor não se funda num interesse, mas na virtude, pois Platão o concebe como algo essencialmente puro e desprovido de paixões, todas elas cegas, materiais, efêmeras e falsas. Na acepção vulgar, porém, vinga o conceito de amor platônico como o desejo por algo inalcançável ou ainda uma relação afetuosa ou idealizada em que se abstrai o elemento sexual.

A sexualidade, porém, é o ponto de partida para as teses freudianas. Mas se dela nasce o amor, não pode reduzir-se a ela, e em todo caso vai muito além de nossos pequenos ou grandes prazeres eróticos, pondera o filósofo contemporâneo André Comte-Sponville. "É toda a nossa vida, privada ou pública, familiar ou profissional, que só vale proporcionalmente ao amor que nela pomos ou encontramos", diz. E levanta questões práticas: "Por que seríamos egoístas, se não amássemos a nós mesmos? Por que trabalharíamos, se não fosse o amor ao dinheiro, ao conforto ou ao trabalho? Por que a filosofia, se não fosse o amor à sabedoria?"

De acordo com Sponville, isso se estende também para a vida moral ou ética. Segundo ele, só necessitamos de moral na falta de amor, e é por isso que temos tanta necessidade de moral. Isso vem reforçar o conceito de Immanuel Kant (1724-1804) de que o dever é uma tristeza, ao passo que o amor é uma espontaneidade alegre. Segundo ele, o que se faz por coerção não se faz por amor.

Para Baruch de Espinosa (1632-1677), "o amor é uma alegria que a idéia de uma causa externa acompanha". Daí o fato de Sponville dizer que amar é "regozijar-se com". Porém, o pensador contemporâneo pondera que o prazer só é um amor, no sentido mais forte do termo, se regozija a alma, o que acontece especialmente nas relações interpessoais. "A carne é triste quando não há amor ou quando só se ama a carne", observa. Isso, segundo ele, dá razão a Espinosa, pois "o amor é essa alegria que se soma ao prazer, que o ilumina, que o reflete como no espelho da alma, que o anuncia, o acompanha ou o segue, como uma promessa ou um eco de felicidade."

Numa variação aos escolásticos, que distinguiam o amor de concupiscência do amor de benevolência, São Tomás de Aquino (1225-1274) divide-o em "amor de cobiça" e "amor de amizade". O primeiro, egoísta, mas não necessariamente condenável, é amar o outro para o bem de si mesmo; o segundo, generoso, é amar o outro para o bem dele mesmo. Embora possam se misturar, para Sponville a diferença ainda subsiste. E afirma com um exemplo tão simples quanto elucidativo. "Gosto de ostras e gosto de meus filhos. Mas não é o mesmo sentimento nos dois casos: não é para o bem das ostras que gosto delas; nem apenas para o meu bem que gosto de meus filhos."

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Sponville não concebe nenhum amor humano totalmente desprovido de cobiça. Às vezes, porém, a cobiça reina sozinha, observa ele, como quando se gosta de ostras, de dinheiro, de mulheres, e então o amor, mesmo intenso, está em seu nível mais baixo. Ou à cobiça mistura-se a benevolência ("quando amo meus filhos, meus amigos, a mulher que amo", exemplifica o filósofo), e então, para ele, o amor é tanto mais elevado quanto mais se desenvolve a benevolência. Nietzsche encerra a questão, a seu modo, atestando que "o que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal".