Fruto de uma residência artística realizada em 2012 pela Fundação Joaquim Nabuco, de Fortaleza, a obra Fábula do Olhar, de Birginia de Medeiros, uma das cinco vencedoras da exposição 5.º Prêmio Marcantonio Vilaça de Artes Plásticas, desmistifica as relações sociais excludentes e traz à tona a reformulação de uma técnica atualmente obsoleta: a fotopintura.
Virginia passou um mês e meio convivendo com moradores de rua. Em cima de seus retratos, em preto e branco, o mestre Júlio Santos, referência nacional em fotopintura (sua obra já teve individuais em museus como a Pinacoteca de São Paulo), aplicou as cores vivas, inspirado pelos depoimentos dos retratados (que podem ser ouvidos na exposição). Ela conversou com a Gazeta do Povo durante a premiação. Veja os principais trechos da entrevista.
Qual sua principal motivação com a obra?
O que me motiva neste processo criativo é desmistificar as relações sociais excludentes. Muitas vezes, a miséria material é confundida com a existencial, e eu busquei dar essa dignidade com a fotopintura. Montei um estúdio fotográfico em um refeitório para moradores em Fortaleza, e convivi com eles por um mês e meio. Mas não cheguei fotografando. Criei um lugar de confiança primeiro, tinha que ter essa cumplicidade com o outro. Eles deixaram de ser sujeitos passivos para serem ativos. A imagem deles [dos moradores], é estereotipada. Quis trazer a ideia de quem ninguém nasce na rua, e que existe o lado bom e ruim da rua. Esse trabalho tem esse desejo.
As cores dos retratos são bem intensas, alegres. Como foi essa escolha?
Tive ajuda do mestre Júlio Santos, que é um parceiro nesse trabalho, um grande amigo, que me ajudou muito nesse processo. Quando decidi fazer, pensei em como iria sensibilizar a fotografia em um mundo com essa avalanche de imagens, aplicativos, filtros. Foi então que pensei na fotopintura, ela tem o princípio de dignificar o outro. Resolvi resgatar uma técnica que de alguma forma está desaparecendo com essa tecnologia digital. Fui em uma exposição do mestre Júlio e fiquei sensibilizada. Passei os relatos transcritos e a partir deles, ele coloriu as imagens.
Além desse tema, há algum outro projeto em andamento?
Eu me interesso muito por adentrar em universos em que existe outra moral, outra ética, diferentes dos padrões normativos. Já trabalhei com travestis e hoje estou muito interessada nos transhomens. Mas, mais do que isso, estou interessada em entender um lugar que não pertence à família, sociedade, religião. De um corpo que eu possa fazer o que quiser com ele. Legitimar esse lugar.
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