Parece que todos querem falar com ensaísta argentina Beatriz Sarlo. Pequena e muito elegante em um terninho cinza, a escritora e crítica literária de 73 anos, uma das pensadoras mais importantes da américa latina, deu dezena de entrevistas durante a Festa Literária de Paraty (Flip). Entre as conversas, quando saia à rua para fumar o cigarro na piteira, Beatriz foi assediada, deu autógrafos e quase sorriu para selfies.
Editora de revista literária, críticas de literária do jornal Clarín e com produção intensa de livros de ensaio sobre temas diversos, a notoriedade de Beatriz é motivada pela capacidade de manter as ideias em movimento, com atenção especial à que é mais contemporâneo.“Sou apenas o resultado do que a história da Argentina fez comigo”, resume.
Beatriz tornou-se uma figura midiática em seu país por ser a mais eloquente opositora do kirchnerismo, a pedra nos sapatos Prada da presidente Cristina. E deu mostras de grande coragem física ao desempenhar o papel.
Hoje, com o fim da década K (a Argentina tem eleições no final do ano), demonstra alívio e um medido respeito por sua maior oponente. “O que ela se propôs a fazer ela fez”, disse, referindo-se à presidente. Ela não é do tipo de mulher que deixa perguntas sem resposta, não importa quantos espinhos protejam o tema.
Leia abaixo algumas de suas opiniões sobre literatura e urbanismo e gênero:
É uma boa questão. Há certamente muitos autores bons. Mas, numa comparação com o momento do boom da literatura da década de 1960 como tem se tentado fazer, noto que há uma grande diferença em relação ao tamanho do público que os livros alcançam. Hoje, um bom romance de um jovem autor, mesmo com resenhas positivas nos jornais mais lidos, dificilmente passa de mil exemplares. Na época do boom, os livros chegavam a muita gente. Era possível que um livro como “Cem Anos de Solidão” fosse lido por mim, uma estudante universitária de literatura, e pela minha tia. Minha tia jamais leria um romance contemporâneo.
O que eu percebo é que aos autores contemporâneos não interessa contar uma história de principio ao fim com interesse social e subjetivo como já se fez. Os autores mais jovens falam basicamente da própria vida em narrativas mais curtas dentro das tribos urbanas de que fazem parte. O que é ótimo, pois me permitem, como leitora, viajar e conhecer estas realidades tão diferentes da minha. Porém, ao contrário do que aconteceu na segunda metade do século 20, para um público inevitavelmente pequeno. Hoje não existe mais literatura popular. Isto é triste por um lado, mas por outro dá uma liberdade incrível para os criadores. Como já não importa o público, tudo é possível.
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Leia a matéria completaEm última instância, a crítica literária não interessa a ninguém. Eu posso escrever que detestei o novo livro de Isabel Allende e dizer que as pessoas deveriam fugir dele e mesmo assim ele venderá aos milhares. A crítica serve apenas para um reduzido grupo de autores e críticos que se leem reciprocamente e precisam deste diálogo para produzir. Assim ela saiu das páginas dos jornais e revistas e foi para a universidade. Mas isso não quer dizer que ela não seja importante. Para mim, qualquer crítico precisa estar atenta ao que acontece no presente. Se alguém vai escrever sobre Borges, precisa dialogar com a literatura do presente.
Penso que chegamos ao auge da literatura do “Eu”, o que significa que estamos perto do seu esgotamento. A subjetivação crescente reflete uma configuração social da nossa época e isso é bom. Me incomoda, no entanto, quando este subjetivismo se desloca a outras questões como a política. As pessoas dizem “ eu gosto da Dilma” ou “eu não gosto da Dilma” e com isto se eximem de fazer qualquer exercício mental para entender o que está acontecendo de fato no politica do país. Quando o governo grego chama a população para decidir algo tão complexo como ficar ou sair da zona do Euro, está dando um passo na contra mão da era do super-subjetivismo. Pois não basta ser contra ou a favor do Euro, é preciso um esforço intelectual coletivo para medir as consequências de uma decisão como essa.
Historicamente, os escritores mais lidos são mulheres. Os best-seller sempre ficaram nas mão das mulheres. E não só isso. Nos últimos cinco anos, nas votações do melhor livro do anos, em três vezes escolhi uma mulher. Mas nas três vezes só me toquei muito tempo depois. Não foi isso que fez com que eu escolhesse os livros. Não posso ver a literatura em termos de gênero. De um modo mais amplo, ainda que existam muitas profissões e espaços machistas, acho que estamos chegando ao tempo em que ser mulher é uma vantagem. Na politica é um beneficio. Se eu tivesse que assessorar uma candidato a presidente escolheria uma mulher.
A cidade é o lugar que escolhemos para viver e será assim para sempre. Não interessa quantas encíclicas escreva o papa, ninguém que mais viver no campo ou em pequenas cidades. As pessoas querem viver perto do trabalho, dos hospitais, dos campos de futebol. Os grandes centros urbanos, as cidades gigantescas são o nosso futuro e sobre isso que temos obrigação de pensar. São Paulo é o melhor exemplo. A única megalópole latino- americana é a mostra de como será este futuro.
Como todos os horrores, injustiças e violências, mas também com toda a vanguarda de comportamento e criatividade. A questão fundamental da civilização é o uso da propriedade urbana.
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