Quem nunca pensou que é sem nunca ter sido que atire a primeira pedra! Se a natureza nos aparelhou com a salutar capacidade de confundir ser e parecer, o uso excessivo dessa habilidade também pode culminar em estados patológicos. O filme francês “Marguerite” interpreta como fábula amarga esse poder que, hoje mais do que nunca, usamos sem limites.
As primeiras imagens do filme escrito e dirigido por Xavier Giannolli mostram como o cinema tira proveito dessa faculdade de cometer equívocos. Vemos convidados chegarem a uma mansão chiquíssima, e a legenda, identificando a época como anos 1920, leva a crer que assistiremos a um luxuoso filme de época.
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Todo mundo ali, de algum modo, vive um faz de conta. O mordomo posa de mau, dois penetras fingem ser ilustres convidados e, não muito longe da casa, o marido da anfitriã simula um defeito no carro para não chegar a tempo do sarau exclusivíssimo.
Quando os olhares e ouvidos convergem para a entrada em cena de Marguerite, descobre-se que a grande cantora vista em retratos espalhados pela casa não tem... voz.
Só ela não percebe isso, o que dá origem aos quiproquós cômicos e trágicos que sustentam o relato. Mas depois que rimos do ridículo e nos emocionamos com a fragilidade da protagonista, o filme nos devolve a imagem de Marguerite como em um espelho. A aparência comum da atriz Catherine Frot, intensificada por sua interpretação alienada, torna a personagem ainda mais próxima.
A projeção num tempo e universo distanciado não impede de reconhecer em Marguerite o símbolo de uma condição talvez mais moderna hoje do que em 1920.
Ela posa para fotos como uma prima-dona do mesmo modo que nós gourmetizamos o arroz com feijão e apagamos a banalidade do cotidiano como se, assim, fosse possível exterminar a feiura, a decepção e o tédio. Sabemos que não é, por isso Marguerite é mais do que parece ser.