Em 2001, o fotógrafo e cineasta Walter Carvalho buscava locações para um filme no sertão da Paraíba quando se deparou com um cinema em ruínas. A imagem não lhe saiu de sua cabeça.
Pouco tempo depois, quando voltou ao Nordeste para fotografar o filme “Amarelo Manga” (2002), de Claudio Assis, reuniu sua equipe e pediu que ficassem mais um dia após o fim das filmagens. Comprou algumas latas de negativo e voltou com eles ao interior da Paraíba.
“Cheguei à noite. O projetor estava cheio de caixas de marimbondos, que nós queimamos”, conta Walter. “No dia seguinte, filmei as ruínas como elas estavam.
Depois, arregaçamos as mangas e recuperamos o que foi possível. O maquinista deu um jeito nos bancos, o eletricista puxou uma corrente e conseguiu botar o projetor para funcionar. Convidamos alguns moradores das redondezas e, à noite, filmamos uma sessão de cinema naquelas ruínas”, relembra.
Estreia nacional
O filme “Para Minha Amada Morta”, do cineasta Aly Muritiba, estreia no Brasil nesta quinta-feira (17) na mostra competitiva do Festival de Cinema de Brasília.
Na semana passada, o longa-metragem foi premiado no Festival de Cinema Mundial de Montreal, no Canadá com o prêmio Zenuth de Prata, escolhido como melhor filme de um diretor estreante na mostra.
A produção do cineasta baiano radicado em Curitiba é um misto de “drama com thriller” sobre um homem (o ator Fernando Alves Pinto) que, ao ficar viúvo, descobre um segredo sobre a esposa. O filme chega aos cinemas no primeiro trimestre de 2016.
Na ocasião, Walter ainda não sabia que estava filmando a abertura e o encerramento de um documentário futuro, que só ficaria pronto 14 anos depois: “Um Filme de Cinema”, escolhido para abrir a 48ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro nesta terça-feira (15).
A ideia de um filme que refletisse sobre o próprio cinema vinha rondando a cabeça de Walter Carvalho desde o fim dos anos 1970, quando escreveu o roteiro de um curta nunca concretizado.
O projeto foi mudando de forma até que Walter começou a aproveitar brechas de filmagens para conversar com cineastas com quem estava trabalhando.
Nessa leva, acumulou entrevistas com os diretores Ruy Guerra, Hector Babenco, Júlio Bressane e Karim Aïnouz, por exemplo. Mas, na medida em que foi avançando, percebeu que precisava ampliar o espectro.
Foi quando o projeto começou a tomar mais corpo e, com a ajuda do produtor Marcello Maia, Walter fez algumas viagens especialmente para entrevistar diretores por quem nutria alguma admiração, como Gus van Sant, Ken Loach, Lucrecia Martel e – raridade – o cineasta húngaro Béla Tarr (“Sátántangó”), conhecido por sua reclusão.
Aos poucos, “Um Filme de Cinema” foi tomando a forma de uma grande reflexão filosófica em torno do fazer cinematográfico. Júlio Bressane, por exemplo, lembra a famosa frase de Abel Gance (“cinema é a música da luz”) e fala da materialidade do “fotograma transparente”: “Se tudo o que organiza é música, no cinema é a sombra que organiza a luz”, diz.
Ruy Guerra fala do poder do enquadramento (“enquadrar é incluir ou excluir”).
Um dos momentos mais curiosos é uma visita à cidade de Palazzo Adriano, na Sicília (Itália), cenário de “Cinema Paradiso” (1988), de Giuseppe Tornatore, onde Walter conversou com o ator que viveu o menino Totò.
“Começo o filme pela ruína, mas queria terminar com a criança, a infância. Sempre com a ideia de que o cinema continua. Nesses 14 anos, o filme foi mudando, mas no fim das contas continuou falando do que eu queria falar. Na verdade, eu queria continuar fazendo, mas tem uma hora que é preciso terminar”, conta o fotógrafo.
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