Por que gostamos tanto de um escritor? Por que diabos estabelecemos relações incompreensíveis com quem escreve o que descobrimos que precisamos ler?
Se a leitura é uma cerimônia transcendental, mas solitária, o que explicaria a propensão em pensar na vida, ou no que fazer dela, quando chispas de ventura surgem em formas de frases estonteantes ou personagens que correm o risco de virar um amigo imaginário tardio?
Um de meus escribas favoritos é Valter Hugo Mãe. O portuga esteve no Brasil novamente na última semana. Participou de eventos em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. vhm fala como se editasse o que diz em tempo real (é de dar raiva). E saiu-se com essa numa entrevista: “Gosto de ver, recolher e, de alguma forma, juntar em casa. Preciso dessa sensação de recolhimento. Por isso meus livros ponderam muito a solidão, o abandono e, inclusive, a necessidade de fugir”.
Se a literatura também é uma forma de compreender a realidade em que nos encontramos, a sensação de recolhimento e a necessidade de fugir são essencialmente antitemas. Têm potencial para fracassos retumbantes de crítica e principalmente de público. Porque nossa realidade preza pela extravagância, não pelo reservado.
Mas por que vhm vende, é lido, ouvido, debatido? Um chute: escolheu a contramão.
Em um texto sobre sua predileção por Roberto Bolaño, autor de “2666”, o escritor mexicano Juan Pablo Villalobos (“Festa no Covil”) diz que descobriu que gosta tanto do chileno porque “precisamos aprender a acreditar.” É mais ou menos isso.
Quando o mundo dá umas voltas estranhas e parece ir para um lugar em que não gostaríamos de estar – e os livros mais vendidos deste mundo são os que não têm palavras –, precisamos aprender a acreditar que a “necessidade de fugir” pode ser um excelente tema para a literatura, mais do que uma opção de vida (VHM vive numa cidadezinha chamada Vila do Conde, a três horas de Lisboa).
Ainda Villalobos: “Li ‘Os Detetives Selvagens’ [ainda Bolaño] em três dias. Durante esses dias só tive três atividades: comer pizza (lendo), ir ao banheiro (lendo) e dormir um pouco (sonhando que lia)”.
É a leitura se aproximando da necessidade fisiológica, da obsessão. Foi assim com Valter.
Seu “o filho de mil homens” (ele escreve sempre em letras miúdas) me fez ignorar o enjoo que sinto quando viajo de ônibus e tento ler. Quase vomitei, mas não desgrudei de Crisóstomo naquelas seis horas de viagem.
vhm sobrevoa o mundo num balão silencioso, dele observa o que ainda nos faz humanos e nos lembra disso em seus livros: “a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo”, escreve ele no mesmo livro, me lembro agorinha.
Melhor que Plasil.
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