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 | Marco André Lima / Gazeta do Povo
| Foto: Marco André Lima / Gazeta do Povo

Faz um ano que publiquei neste mesmo espaço um texto cujo título era "Não me reprima, diz o carnaval curitibano". O mote foi a situação curitibanamente surreal que aconteceu na esquina das ruas Visconde do Rio Branco e Saldanha Marinho. Em 2011, o grito de carnaval que dá ainda mais cor ao Distinto Cavalheiro – com saudosas marchinhas, serpentinas atarantadas, senhores e senhoras levemente fantasiados – foi interrompido porque alguém reclamou que "o som estava alto". Eram 20h10 da noite, se bem me lembro. Um dos donos do espaço foi levado para a delegacia, de camburão, sob vaias de toda aquela gente que antes se divertia e gritava "Savoia!" quando o ônibus amarelo passava devagar em frente ao estabelecimento.

Pois bem. Na última quinta-feira, o grito aconteceu de novo, com ainda mais gente – essas pessoas estranhas que saem do trabalho de terno, mas que não perdem o rebolado. O mesmo sujeito que foi considerado criminoso por algumas horas teve uma, como se diz, presença de espírito fora do comum e estava fantasiado de presidiário. Foi a forma mais irônica e emblemática de tratar um tema crônico que teve seu ápice no domingo, 5 de fevereiro, um dia para não ser esquecido.

Tinha em mente uma teoria que beira o pessimismo, mas que, com os fatos de ultimamente se transforma em realidade. O que ocorreu no Largo da Ordem naquele pré-carnaval foi sintoma visível de uma cidade que está atrás de seus cidadãos. Curitiba anda, e tenta andar rápido. Há festa na rua, há gente disposta a ouvir boa música, a interagir, dialogar, sentar no banco da praça. Há também pessoas deixando os carros em casa e cogitando dar umas pedaladas para se locomover e não para passear. Exatamente porque pensam na cidade, e contribuem com ela, mesmo que aparentemente estejam resolvendo um problema individual – no caso das bicicletas. Mas chega o momento em que a serpentina vira algema, e a cidade se prende em suas próprias – e talvez já não tão válidas – idiossincrasias.

O que aconteceu no Largo, a invasão da polícia e sua tropa de choque, foi o ápice disso tudo porque antes o Beto Batata foi impedido de proporcionar boa música. Violão e piano estavam incomodando alguém, que ligou para alguém, que ligou para a polícia. Fim de papo. O que aconteceu no Largo foi o cúmulo porque antes disso foi criada uma ciclofaixa que liga o nada a lugar nenhum. As cacetadas e tiros de borracha distribuídos a esmo foram a gota d’água porque a Pedreira está fechada. A ação que acabou por exterminar uma festa pacífica que ocorre há 13 anos foi inadmissível porque um dos sócios do Ao Distinto, citado no início deste texto – que já venceu um prêmio Jabuti de literatura – foi levado para a delegacia no porta-malas de uma viatura.

Aprofundo a discussão e, agora, peço a sua ajuda para tentar entender o porquê disso. Por que o status quo de uma cidade não pode ser alterado? O curitibano é fechado? É. Eu sou. Mas, quando vejo a possibilidade de vivenciar algo a que não estava acostumado, tento ao menos compreender. Na segunda-feira seguinte à ação desmedida de uma polícia totalmente despreparada, um colega comentou que Curitiba é uma cidade higienista. Infeliz e assustadoramente, faz sentido.

Como se tivesse um espanador nas mãos, Curitiba vai "limpando" o que nunca foi historicamente seu. Porque podemos celebrar o pernil com verde do Bar Mignon, mas, onde já se viu, nunca poderemos nos divertir com um evento criado por alguém que veio do Nordeste – foi esse o argumento de um curitibano que ouvi por aí, referindo-se a Itaércio Rocha, o criador do grupo Sacis & Garibaldis. Esse pensamento beira o fascismo. Todo esse conjunto de fatores, enfim, entristece mais do que revolta.

O Karnak de André Abujamra tem uma música que diz "o mundo muda, a gente muda". Ora, as mudanças começam nas pessoas, na sociedade que vive e convive entre si, e que finalmente utiliza sua cidade, que se torna, por sua vez, uma projeção fiel de seus habitantes. Curitiba parece não perceber isso às vezes. E está tão ou mais estacionada do que o bondinho da Rua XV, símbolo-metáfora de uma capital bonita, mas quase estacionária.

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