Faz um ano que publiquei neste mesmo espaço um texto cujo título era "Não me reprima, diz o carnaval curitibano". O mote foi a situação curitibanamente surreal que aconteceu na esquina das ruas Visconde do Rio Branco e Saldanha Marinho. Em 2011, o grito de carnaval que dá ainda mais cor ao Distinto Cavalheiro com saudosas marchinhas, serpentinas atarantadas, senhores e senhoras levemente fantasiados foi interrompido porque alguém reclamou que "o som estava alto". Eram 20h10 da noite, se bem me lembro. Um dos donos do espaço foi levado para a delegacia, de camburão, sob vaias de toda aquela gente que antes se divertia e gritava "Savoia!" quando o ônibus amarelo passava devagar em frente ao estabelecimento.
Pois bem. Na última quinta-feira, o grito aconteceu de novo, com ainda mais gente essas pessoas estranhas que saem do trabalho de terno, mas que não perdem o rebolado. O mesmo sujeito que foi considerado criminoso por algumas horas teve uma, como se diz, presença de espírito fora do comum e estava fantasiado de presidiário. Foi a forma mais irônica e emblemática de tratar um tema crônico que teve seu ápice no domingo, 5 de fevereiro, um dia para não ser esquecido.
Tinha em mente uma teoria que beira o pessimismo, mas que, com os fatos de ultimamente se transforma em realidade. O que ocorreu no Largo da Ordem naquele pré-carnaval foi sintoma visível de uma cidade que está atrás de seus cidadãos. Curitiba anda, e tenta andar rápido. Há festa na rua, há gente disposta a ouvir boa música, a interagir, dialogar, sentar no banco da praça. Há também pessoas deixando os carros em casa e cogitando dar umas pedaladas para se locomover e não para passear. Exatamente porque pensam na cidade, e contribuem com ela, mesmo que aparentemente estejam resolvendo um problema individual no caso das bicicletas. Mas chega o momento em que a serpentina vira algema, e a cidade se prende em suas próprias e talvez já não tão válidas idiossincrasias.
O que aconteceu no Largo, a invasão da polícia e sua tropa de choque, foi o ápice disso tudo porque antes o Beto Batata foi impedido de proporcionar boa música. Violão e piano estavam incomodando alguém, que ligou para alguém, que ligou para a polícia. Fim de papo. O que aconteceu no Largo foi o cúmulo porque antes disso foi criada uma ciclofaixa que liga o nada a lugar nenhum. As cacetadas e tiros de borracha distribuídos a esmo foram a gota dágua porque a Pedreira está fechada. A ação que acabou por exterminar uma festa pacífica que ocorre há 13 anos foi inadmissível porque um dos sócios do Ao Distinto, citado no início deste texto que já venceu um prêmio Jabuti de literatura foi levado para a delegacia no porta-malas de uma viatura.
Aprofundo a discussão e, agora, peço a sua ajuda para tentar entender o porquê disso. Por que o status quo de uma cidade não pode ser alterado? O curitibano é fechado? É. Eu sou. Mas, quando vejo a possibilidade de vivenciar algo a que não estava acostumado, tento ao menos compreender. Na segunda-feira seguinte à ação desmedida de uma polícia totalmente despreparada, um colega comentou que Curitiba é uma cidade higienista. Infeliz e assustadoramente, faz sentido.
Como se tivesse um espanador nas mãos, Curitiba vai "limpando" o que nunca foi historicamente seu. Porque podemos celebrar o pernil com verde do Bar Mignon, mas, onde já se viu, nunca poderemos nos divertir com um evento criado por alguém que veio do Nordeste foi esse o argumento de um curitibano que ouvi por aí, referindo-se a Itaércio Rocha, o criador do grupo Sacis & Garibaldis. Esse pensamento beira o fascismo. Todo esse conjunto de fatores, enfim, entristece mais do que revolta.
O Karnak de André Abujamra tem uma música que diz "o mundo muda, a gente muda". Ora, as mudanças começam nas pessoas, na sociedade que vive e convive entre si, e que finalmente utiliza sua cidade, que se torna, por sua vez, uma projeção fiel de seus habitantes. Curitiba parece não perceber isso às vezes. E está tão ou mais estacionada do que o bondinho da Rua XV, símbolo-metáfora de uma capital bonita, mas quase estacionária.
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