| Foto: Divulgação

Tive uma semana que faria Nelson Rodrigues se livrar temporariamente de seu eterno descanso boêmio e dar mais uma tragada em um cigarro barato. Como deveria de ser, começou no Rio de Janeiro. Saí para jantar em um restaurante da bem-aventurada praia de Copacabana. Havia o barulho do mar, abafado pelo som dos ônibus e pela buzina dos táxis amarelos, todos aqueles 28 graus às 20 horas e os turistas europeus branquelos, que pareciam comemorar ao usar regatas com a frase "I Love Rio".

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Termino meu papo com a garçonete engraçadinha – mesmo uma conversa funcional no Rio é maior, há comentários não óbvios e um jeito de falar que nos deixa à vontade –, quando sou surpreendido por uma senhora de blusinha branca. Loira, com seus 50 anos bem disfarçados, não bonitinha, mas ordinária, cruza as pernas flácidas antes de me falar algo que não vou reproduzir aqui com medo de enrubescer novamente. Digo qualquer coisa em meio a uma risada discreta. Ela mexe no celular vermelho, passa novamente a língua nos lábios e vai embora, bolsa a rodar.

Chega a cerveja e com ela duas outras moças extra-balzaquianas. Uma masca chicletes desesperadamente. A outra tem um semblante triste e valoriza os seios portentosos, como se não acreditasse que toda nudez seria castigada. Elas perguntam sobre a cerveja, se está gelada, se serve para espantar o calor e, finalmente, se eu preciso de, hum, algo mais. Digo que estou bem, obrigado.

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As duas se sentam à mesa de um espanhol, que lhes paga um macarrão à bolonhesa. O prato não dura dez minutos e o trio não troca uma palavra, apesar da tensão econômico-sexual no ar. Fico imaginando se, em Copacabana é sempre assim. Se por aquelas bandas não existirá nenhuma mulher sem pecado.

Mas, se soubesse o que iria acontecer em Curitiba dias depois, ih, Nelson Rodrigues escolheria mesmo trazer uma máquina de escrever a um cachecol.

Descrevo o que aconteceu em um restaurante familiar ali da Augusto Stellfeld. Um casal de meia idade balança os corpos encostados no balcão. Ela tem uma impulsividade marcante. Ele, um olhar fugidio. As vozes se interpõem. Ela ri e chora, e aí ele grita baixo no ouvido dela, que tenta por sua vez beijá-lo no pescoço. A mão da mulher avança pela cintura do homem, que ignora o tempo que está de pé, segurando a jaqueta bege que tirou quando foi ao banheiro – foi na ausência dele que ela bebeu duas doses de algo forte para tentar encontrar a calma. Agora ela chora e ri. Mais ri do que chora. É o amor e suas intermitências.

Acaba o primeiro tempo do jogo que passa na tevê, o time da casa perde e eles não estão nem aí. É como se, de repente, a mulher que amou demais encontrasse o homem proibido. Ouvem-se palavras fortes, perdigotos voam, e logo há uma antagônica troca de afetos. Empurrões são intercalados com beijos longos e angulosos.

Agora os dois olham para frente com as pernas a balançar no banquinho alto. Como crianças quando estão de mal. Ele beija o ombro dela, que resiste e olha para o lado. Grita, ela, algo incompreensível. Ele coloca o cachecol na cintura, sem jeito. Faz isso para tentar contornar a situação e desviar os olhares de quase todos ali, ansiosos pelo desfecho daquela desgraçada Valsa n.º 6.

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Ele a abraça forte. O banco em que ela está faz barulho. Ela chora. "Sai daqui." Ele tenta beijá-la de novo, ela resiste por duas vezes. Enfim, acontece. E parece o primeiro beijo de um jovem casal: é tenso e apurado. Acabam dançando ao som de jazz, rostinhos colados, lágrimas ainda escorrendo. Salve, Nelson. Algumas coisas continuam iguais.