Chego ao bar querendo silêncio, um canto quieto onde rascunhar, aí chega ele cantando alto: "Morena bonita do dente aberto/ vai no pagode o barulho é certo!"
Pede uma cerveja, senta arrastando cadeira, e grita, pragueja, intima quem passa pela rua, levanta, vai ao balcão, pede amendoim, "mas torradinho de quebrar no dente!", volta, arrasta cadeira, senta, canta tão alto quanto desafinado: lalarilala o barulho é certo!...
Não fica dois segundos sem falar besteira ou cantar cada vez mais desafinado. Daí me vê quieto, percebo pelo canto de olho.
Ele levanta arrastando a cadeira e vem, rodeia, não olho, fica passando na frente, inventando falas e modos, mas continuo com o olhar mais longe que existe, que é olhar para dentro.
Ele não se conforma, monologa balanceando, continuo ignorando. Ele volta para sua mesa, senta-arrastando, levanta-arrastando, retorna e me toca.
Que é cocê tanto escreve aí?
Uma crônica, senhor.
Pergunta o que é uma "cronca", digo que é um caso acontecido.
É memo? Mas esse caso aí é contando o que?
É o caso de um bêbado que perturba alguém num bar.
Ele cala, engole, embatuca, pisca que pisca, balança, volta para sua mesa, senta-levanta arrastando a cadeira, vem de novo:
Mas... balançando o bêbah-do do caso aí, acaso sou eu?
Não por acaso.
Ele vai, senta-rastando, pensa, levanta-rastando, volta:
Mas então sou eu!
Pode ser, todo bêbado é igual.
Ele vai, nem senta, volta:
Então eu sou igual todo bêbado?!
Se o senhor estiver bêbado, né. Está bêbado?
Ele pensa piscando-coçando, vai perguntar a outros, ao do-bar, até ao cidadão que espera ônibus na calçada:
To beh-bado?
Todos desconversam, mal sorriem, viram a cara, e ele roda até voltar ao balcão, pede mais uma "pra tirar a duda". Depois vai para a rua, quase atropela o ônibus, fica aparvalhado, olha para o céu se benzendo, aí um menino grita:
Vai pra casa, mané!
Ele baixa a cabeça e vai, cambaleando. O do-bar:
Ainda bem que foi, senão eu tinha de levar.
Como?
Digo que vamos tomar mais na casa dele, pego pelo braço e levo.
E ele vai?
Vai, cai no sofá, jogo um cobertor por cima e volto.
Pra que o cobertor?
Pra suar e não ter tanta ressaca. Mas outro dia ele voltou logo cedinho, dizendo que tinha sonhado que foi pro inferno. Aí tomou uma pra esquecer o sonho.
Volto a escrever, o do-bar suspira:
Tem hora que chego a pensar que ele devia mesmo ir pro inferno, mas depois... Acho que, no dia em que ele for, vou sentir saudade.
"Não sinta", falei apontando: cambaleando mais ainda, o bêbado ia voltando.
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