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Você ronca, não me importo. Eu quase nunca ronco; e, quando ronco um pouquinho, você me cutuca, mas eu não me importo porque fico ouvindo teu ronco, que me dá sono de novo.

Você quer jogar o tubo de pasta de dentes fora quando ainda há pasta bastante para vários dias. Acha miserento ficar espremendo o tubo, logo você, que nasceu pobrezinha, enquanto eu nasci de classe média. É que sempre lembro do Tio Patinhas, que começou a fortuna com um tostão, mas você acha que já tem a fortuna de ter saúde e alegria, então concordo, mas continuo espremendo meu velho tubo enquanto você abre um novo.

Detesto farofa com o courinho do bacon, quero sempre tirar, você diz que não, sua mãe sempre fez farofa com o courinho, que eu temo um dia vai me quebrar um dente. Mastigo com cuidado e, quando sou eu que faço a farofa, tiro o courinho, saboreando a deliciosa pirracinha.

Gosto de dormir com o janelão aberto, você quer fechar, diz que passa frio de madrugada. Então deixo uma coberta a teu lado, e de madrugada te cubro, você agradece ronronando e eu te chamo de minha gata, você se enrosca em mim e dormimos assim, você agasalhadinha e eu sentindo teu calor.

Nós gostamos de viajar e você não tem pressa de partir, eu tenho pressa de voltar. Mas entre a partida e o retorno sabemos que a viagem, seja para onde for, é nos darmos bem.

Você gosta de macarronada, eu de risoto. Você diz que risoto é só arroz com molho, eu digo que macararronada é só massa molhada, mas do teu macarrão eu gosto, como você do meu risoto.

Gosto de omelete sem cebolinha, você bota tanta que a omelete fica verde, então boto salsinha, fica mais verde ainda, co­memos com gostosa cumplicidade.

Você gosta de vinho branco, eu do tinto, mas é maravilha o rosé que descobrimos, seco como tinto mas aromado como branco.

Você gosta de filmes policiais com investigação pericial, impressões digitais, DNA, análise de fios de carpete, e eu gosto daqueles filmes com detetives intuitivos, perguntas capciosas, deduções talentosas, então vemos todo filme policial que passa.

Você gosta dos thrillers, eu não, então fico acariciando tua mão que aperta a minha a cada impacto na tela.

Eu gosto de frapê, você nem de ver, por isso tomo longe de você, como você só longe de mim chupa a nata do leite, que nojo!

Gosto de flores que florem o ano inteiro, como camarões, você gosta de orquídeas, que florem uma vez por ano, assim nossa casa tem muitos camarões e tantas orquídeas.

Gosto de lavar louça, mas nem por isso sujo louça demais. Você, que detesta lavar louça, suja tanta que penso em protestar, mas acabo lavando tudo e agradecendo por gostar.

Você faz voz infantil para falar com os netos, eu acho uma bobice, você diz que bobice é perder oportunidade de ser criança com eles. Você chama neto de "meu nenê", eu chamo de "você" e até de "senhor". Talvez por isso eles gostem de nós, devemos figurar para eles um casal de todas as idades.

Gosto de rock, você de samba. Mas por mim você rebola um roquinho, por você eu chacoalho um samba.

Você ressona no noticiário esportivo, eu bocejo no noticiário econômico.

Você mal vê um capítulo ou outro da novela e adivinha o resto, enquanto eu, adivinhando o resto, mal vejo um capítulo ou outro.

Nós, desconfio, somos um casal que funciona porque sabemos somar as diferenças, subtrair as desavenças, dividir compreensão e multiplicar carinho.

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