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O Papel da Vida
Canal Brasil. Episódio com José Wilker. Dia 28, às 21h30. Classificação indicativa: livre.
É sempre bom ouvir a conversa dos outros, ainda mais quando o papo é bom. É o caso de O Papel da Vida, programa da emissora paga Canal Brasil em que o assunto é o trabalho de atores, que falam de seu melhor trabalho no cinema até o momento. A estreia da segunda temporada trouxe, ontem à noite, um introspectivo e intelectual Caio Blat, que relata os bastidores de Bróder (2009), de Jeferson De, em que vive o adolescente envolvido com o crime Macu.
Em comum com o episódio de José Wilker, cuja entrevista irá ao ar no próximo domingo, a conversa revela uma concentração fora do comum na televisão. Alheios à câmera, os atores se entregam à conversa, algo para o que a entrevistadora Marina Person contribui em muito, com espontaneidade em perguntas que se repetem a cada programa, mas nunca de forma artificial. Como se diz no teatro e no cinema, a curiosidade dela é sempre "verdade". (Não é à toa que atrizes são ótimas apresentadoras.)
Com direção de Gustavo Rosa de Moura, o objetivo da atração é questionar intérpretes de peso no cinema nacional sobre os motivos da escolha de seu "papel da vida", processos de preparação do personagem, cenas que mais agradaram, além de suas inseguranças no trabalho.
Para José Wilker, o momento de ouro até aqui foi viver o astrofísico Antônio no filme O Maior Amor do Mundo (2006), de Cacá Diegues. Após várias parcerias com o diretor, Wilker encontrou neste longa-metragem a chance de se desvestir de métodos de atuação para simplesmente observar (outros atores, coadjuvantes em teste) e "não fazer nada", num papel em que o personagem é extremamente contido, segurando as emoções até o final.
Por coincidência, Antônio e Macu passam um bom tempo do filme na favela. Caio chegou a alugar um imóvel no bairro da zona sul paulistana Capão Redondo, onde o longa foi filmado, para interagir com a comunidade e vestir-se de hábitos, trejeitos e o próprio pensamento de Macu. "A Maria [Ribeiro, atriz, sua mulher] conviveu por um ano com um mano. E o João [filho dela] andava pela casa com três anos cantando hoje sou ladrão, artigo 37", conta. Seu método de interpretação, continua, envolve mexer com objetos, roupas, músicas que tragam o personagem de fora para dentro (ao contrário da escola americana, que prega o psicologismo, numa má interpretação do método russo de Stanislavski). Um momento de vitória durante o trabalho foi ser expulso de um restaurante, ao qual fora com o corte de cabelo de "mano" usado nas filmagens.
Para Wilker, um momento difícil foi contracenar com um garoto que, na trama, é baleado. Ele o ergue e carrega até um lixão, onde joga um dublê no rio.
Wilker também relata sua decepção com a crítica ruim recebida, incluindo uma análise de que estava "se repetindo" no papel sendo que o longa foi justamente algo que, ele considera, saiu da curva em sua carreira. Ele dá de ombros e conclui: "(Sh)it happens" ("acontece").
Episódios seguintes da temporada terão Matheus Natchtergaele, que escolheu O Auto da Compadecida, Débora Falabella, em Dois Perdidos numa Noite Suja e Daniel de Oliveira, de Cazuza.