Como Viver ou uma Biografia de Montaigne em uma Pergunta e Vinte Tentativas de Resposta é mais que uma biografia inspirada de Michel de Montaigne (1533-1592), o filósofo francês que inventou o "eu" na literatura. É também uma provocação da autora, Sarah Blakewell, que parece dizer: "Duvido que você não se torne um leitor de Montaigne ao final deste livro".
O texto é hipnótico, do tipo que você começa a ler e não consegue parar. Erudita e envolvente, a autora britânica consegue costurar os fatos da vida de Montaigne com algumas das ideias defendidas por ele na sua única obra: Os Ensaios, divididos em três volumes que levaram duas décadas para serem escritos, reescritos e publicados.
Cada um dos 20 capítulos da biografia começa sempre com as palavras do título, mas na forma de pergunta: "Como Viver?". E todos oferecem respostas diferentes: "Não se preocupe com a morte", "Sobreviva ao amor e à perda", "Seja ordinário e imperfeito". As respostas têm relação com os eventos na vida de Montaigne.
Espertamente, o título do livro não tem interrogação, pois se espera que saber sobre Montaigne ilumine a questão.
A estrutura desenvolvida por Sarah dá certo porque o francês refletiu muito sobre as próprias experiências, tentando extrair delas o máximo que conseguia. Quase tudo o que ele viveu aparece de um jeito ou de outro em sua obra.
Assim, o livro conta como o escritor quase morreu ao cair do cavalo, um evento que o marcou para sempre, e fala sobre a decisão de abandonar a política para pensar e escrever sobre a vida, abordando assuntos tanto triviais quanto complexos.
A história de inventar o "eu" na literatura está calcada no fato de Montaigne ter se colocado no centro dos textos que produziu. Ele é tido também como o fundador do gênero ensaio (essayer é o termo francês para tentar, experimentar), em que o autor escreve sobre um tema qualquer defendendo um ponto de vista, sem necessariamente chegar a conclusões. É, em alguma medida, um raciocínio por escrito.
Antes de Montaigne, houve algumas experiências semelhantes (Santo Agostinho teria inventado a autobiografia), mas ninguém com a mesma disposição do francês para registrar com diligência suas impressões sobre tudo. Sim, tudo.
Ele escreveu sobre amizade em um de seus ensaios mais conhecidos, inspirado pela relação com Étienne de la Boétie, um amigo querido cuja morte está na origem do livro , sobre a educação de crianças, o sono, a solidão e o horário em que costumava ir ao banheiro para fazer o número dois.
Uma qualidade de Sarah Bakewell é a capacidade de fazer belas interpretações da vida e da obra de Montaigne. No acidente de cavalo, o ensaísta descreve uma sensação de prazer no fato de estar deitado no chão, em repouso (na verdade, atordoado). Ele imaginava então, que seria "uma morte muito feliz", deixando-se ir sem resistência. Mas acabou vivendo para sofrer muito e durante anos com as dores decorrentes da queda.
É quando a biógrafa observa: "Mas vida é mais difícil que a morte; em vez de uma rendição passiva, ela exige atenção e trabalho". Algo que Montaigne viria a entender.
Serviço:
Como Viver ou uma Biografia de Montaigne em uma Pergunta e Vinte Tentativas de Resposta, de Sarah Bakewell. Tradução de Celso Nogueira. Objetiva, 400 págs., R$ 39,90.