Há momentos em que você se sente profundamente perdido. A única saída é perder-se mais, por mais tempo, movendo-se por instinto a fim de não ficar parado, tentando chegar a algum lugar, qualquer lugar, e você faz isso perder-se cada vez mais torcendo para que o momento passe, a aflição acabe e, na melhor das hipóteses, para que aconteça um encontro.
Conseguir se encontrar de um ponto de vista mais prático, no trabalho ("Gosto do que faço"), talvez, ou em casa ("É bom voltar para casa"), pode ser tão complicado quanto se encontrar de um jeito mais íntimo e difícil de pôr em palavras, analisando o que o trabalho diz sobre você ou como a casa pode ser um reflexo das coisas que considera importantes.
Tetro, filme mais recente do cineasta Francis Ford Coppola, concluído em 2009, passou batido nos cinemas curitibanos e acaba de sair em DVD. O roteiro original do diretor fala de um jovem norte-americano que viaja até Buenos Aires para reencontrar o irmão, com quem não fala há anos.
Vincent Gallo é Tetro, o filho mais velho de um maestro egocêntrico e vaidoso que briga com o pai e sai de casa, abandonando a família e se perdendo da pior maneira possível: termina em um hospital psiquiátrico, já na Argentina.
Ao longo do tratamento, Tetro carregava consigo um livro que não largava nunca. Era um relato autobiográfico acerca dos fatos que destruíram a família. Um dos mais marcantes foi o acidente de carro que matou sua mãe, uma cantora de ópera. Tetro era o motorista e ela estava no banco do passageiro.
O filho enjeitado deu um jeito de construir uma nova vida para si. Em um país estrangeiro, fez amigos e se envolveu com uma mulher linda, Miranda, a terapeuta do hospital vivida por Maribel Verdú. Ele parecia levar uma existência tranquila.
A chegada do irmão Bennie (Alden Ehrenreich) bagunça tudo e não é festejada. Tetro recebe o irmão mais novo com um "O que você veio fazer aqui?". Quando foi embora de casa, o mais velho prometeu voltar, algo que nunca fez.
Dia a dia, em Buenos Aires, Bennie desencadeia situações que levam o irmão a encarar a história da qual havia fugido que virou um livro cifrado, para ser lido com a ajuda de espelhos, escondido em uma mala sobre o armário. O jovem mostra que, mesmo a milhares de quilômetros da casa física, Tetro nunca conseguiu se afastar de fato da família.
Críticas a respeito do filme de Coppola falaram muito sobre as questões autobiográficas do enredo o pai do cineasta foi um músico cujo irmão não teve o mesmo talento, ou a mesma sorte, e o próprio diretor é uma figura gigantesca no seu núcleo familiar, com filhos que vivem à sombra do homem que criou os clássicos O Poderoso Chefão (1972) e Apocalypse Now (1979). No entanto, nos últimos anos, Sofia, a filha, tem se revelado uma cineasta de primeira (o último foi Um Lugar Qualquer).
Fatos à parte, Tetro é um filme sobre a família como algo elementar, um dos componentes responsáveis por alguém se tornar aquilo que é talvez o item mais importante de todos. E a história fala também de encontros. De Bennie com Tetro e deste consigo mesmo.
No capítulo seis do romance Lavoura Arcaica, também sobre um filho que abandona a família, o escritor Raduan Nassar diz, na voz de André, seu narrador: "Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse para onde estamos indo? não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: estamos indo sempre para casa."
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