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Pirandello: anúncio de questões futuras | Reprodução
Pirandello: anúncio de questões futuras| Foto: Reprodução

O teatro passa constantemente por renovações – ainda que, enquanto elas estão acontecendo, muitas vezes sejam rejeitadas ou mal avaliadas. Um desses momentos de revolução, tão frequentes no século 20, foi a estreia de Seis Personagens Em Busca de Um Autor, do siciliano Luigi Pirandello (1867-1936). O ano era 1921 e a recepção foi pavorosa.

Fosse hoje, quem sabe o espectador diria "sério... mais do mesmo?". Tratava-se de um experimento profundo de metateatro, aquela coceira dos artistas de tratar seu ofício como matéria-prima criativa e que costuma render obras muito divertidas hoje em dia.

Na peça italiana daquele pós-Primeira Guerra, os atores de uma companhia se preparam para um ensaio. A atriz principal chega atrasada, trazendo seu cachorrinho, enquanto os ensaiadores estão tensos. (Para uma sátira atualizada da profissão, assista a Tiros na Broadway, filme de Woody Allen, de 1994.)

Em cada detalhe, o autor faz uma crítica a seu meio teatral, e manifesta o desejo de resgatar o teatro do que ele considerava ser sua morte iminente. As próprias rubricas (orientações do autor do texto para a encenação, hoje praticamente em desuso) revelam a perspicácia do italiano em sua sátira aos usos e costumes dramáticos.

As primeiras linhas dão conta de marteladas vindas do palco, onde o marceneiro corre para deixar o cenário pronto para a estreia. Entra o diretor de cena e o expulsa. "Que ideia é essa, trabalhar a essa hora? Logo o diretor chegará e começará o ensaio..." "Mas e eu", pergunta o técnico, "que horas trabalho?". "Não agora."

No calor da pressa e dos egos, eis que entram seres mascarados que se apresentam como personagens. "Charlatães", pensam logo os atores, desconfiados.

Assim Pirandello recomenda que a encenação mostre o grupo: "As Personagens não deverão aparecer como ‘fantasmas’, porém como ‘realidades criadas’, construções imutáveis da fantasia e, por conseguinte, mais reais e consistentes do que a volúvel naturalidade dos Atores".

Mais reais que a realidade, porque criados como matéria imutável. Quando começam a se apresentar, e a desenrolar seus papéis, aos quais cada um deles está eternamente ligado, a "plateia" acaba hipnotizada pelo dramalhão, que inclui um Pai, uma Mãe, uma Enteada, um Filho, uma Menina e um Jovenzinho.

O grupo acorrera ao teatro em busca de um autor. Não, não bastava que eles próprios encarnassem seu drama. Era preciso colocar aquilo tudo em palavras – quase como num documento de identidade.

Ao tratar da filosofia da representação teatral de forma tão lúdica, Pirandello tornou palatável a discussão de seu métier, inclusive para quem é só observador. Muito na vanguarda, ele prenunciou teorias que ganhariam holofotes mais tarde, como a da incomunicabilidade do teatro e da morte do autor ("o texto é de quem dele faz uso").

O metateatro foi abordado pelo italiano em outras duas peças que compõem a "trilogia do teatro no teatro": Cada Um a Seu Modo e Esta Noite Improvisamos.

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