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Laura e Almanzo, o casal mais feliz que habita minha imaginação | Reprodução/Laura Ingalls Home Assoc.
Laura e Almanzo, o casal mais feliz que habita minha imaginação| Foto: Reprodução/Laura Ingalls Home Assoc.

Um bom termômetro de quão bem estamos é o tipo de sentimento que surge quando reviramos as caixas do armário. Ele pode ser do tipo gostoso, que nos faz emitir curtas gargalhadas a cada achado do arco da velha – ainda que com uma pontinha de melancolia –, ou daqueles que nos põem pra baixo, fazem desejar voltar no tempo e pensar que ah, eu era feliz e não sabia.

Confesso que a dúvida sobre qual vertente eu iria aderir me afastou da arrumação das entranhas do quarto por um bom tempo. Tempo demais, tive que reconhecer, ao verificar que a amostra grátis do perfume Sunflowers, de Elizabeth Arden, havia corroído boa parte das páginas seguintes do diário onde havia sido acondicionada. Rasgou inclusive a cabeça do cavalo gigante de madeira em cujo dorso eu me equilibrei para a foto – até pensei em ilustrar esta crônica com a imagem, mas vou poupá-los.

No lugar, escolhi um postal de Laura Ingalls Wilder que escapou ileso. Mais do que Menudos ou Dominó, era ela quem fazia minha cabeça na tenra idade. Filha de camponeses que percorreram diversos estados norte-americanos na segunda metade do século 19, relatou em nove livros da série Little House todas as delícias e agruras da vida de família simples daquela época e naquele lugar.

Ainda hoje, quando percorro a mente em busca de referências históricas fidedignas do final dos anos 1800, penso em como eram – na minha imaginação, claro – os vestidos, os chapéus, as fitas combinando que Laura e a irmã Mary usavam.

O frio que eles passaram naquele longo inverno... e aquela torta de abóbora, que até hoje não entendi se era doce ou salgada, que a família de Manzo dividia num jantar apetitoso. Almanzo Wilder já era seu marido quando Laura decidiu dedicar um dos livros da série às reminiscências da infância dele.

Todas essas memórias que eu dividia com a escritora se tornaram palpáveis anos mais tarde, quando convenci meus pais a desviar a rota numa viagem pelo Oeste americano para ver de perto duas ou três casas onde ela havia morado. Os museus guardavam peças como a mesinha onde ela se sentava para escrever, a cama onde dormia, e fotos! Para mim, aquele foi o divisor de águas, o momento em que realidade e ficção se misturaram para sempre.

Em sua biografia romanceada em vários volumes, Laura nunca escrevera em primeira pessoa. A ideia de que aquela era uma vida verídica ficava lá, no fundo da leitura. Ilustrá-la com imagens saídas do cotidiano nu e cru foi um choque.

Maior ainda foi o susto de ver o seriado Os Pioneiros (em cartaz hoje no canal pago TCM às 13h e 20h). Ali estavam as quatro irmãs, duas grandes, duas pequenas, Laura a mais moleca – mas tudo estigmatizado e pronto para consumo.

A conversa poderia ir longe. Quem não prefere sua imaginação às versões televisivas? O fato é que o seriado não me inspirou aquela nostalgia do tipo bom. Até me remeteu ao tempo em que Laura era viva, mas não me lembrou nada da época em que eu lia seus livros despreocupadamente.

Ainda bem que ainda tem algumas caixas por abrir no armário.

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