Prêmio Goncourt de 1959, e apesar de toda a glória que o acompanha, Ledernier des Justes, de André Schwarz-Bart (1928-2006), logo foi objeto de uma conspiração do silêncio e, mesmo, de campanhas caluniosas que por longos anos fizeram desaparecer-lhe o nome do noticiário (O Último dos Justos, Trad. Maria Lucia Autran Dourado. 2ª ed. Rio: José Olympio, 2009). Era o momento dos "latino-americanos", epidemia contagiosamente imitativa, espalhada por todos os países, uma de cujas obras paradigmáticas é, como se sabe, o romance de Gabriel García Már­quez, sobre o qual a brilhante a­­ná­­lise de Seymour Menton chamou a atenção para alguns fatos perturbadores.

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São páginas que, de passagem, levantam intrigantes problemas de influência, genealogia criadora ou reminiscência involuntária, como os queiramos chamá-los, referentes ao modelo encontrado por Cem Anos de Solidão no romance talvez suspeitamente "esquecido" de Schwarz-Bart. Apesar do prêmio prestigioso e de ter sido considerado por influentes críticos franceses como um dos romances mais importantes das duas décadas anteriores a 1963, o livro foi objeto de críticas rancorosas e do consequente "esquecimento" em que caiu. A repercussão desfavorável pode explicar, pelo menos em parte, a evidente esterilidade em que Schwartz-Bart se inutilizou desde então. O romance não é nem mesmo citado nas histórias literárias francesas ou obras de crítica, havendo entre os especialistas uma espécie de convenção não-escrita para silenciar a respeito. Quanto aos tratadistas da chamada "literatura do Holocausto", observa Seymour Mentgon, "costumam desprezá-lo por motivos religiosos e históricos".

Contudo, por inusitada que tenha sido a recepção do romance, escreve ele, "temos que redescobri-lo na década de 90 e para o futuro com base em suas qualidades literárias". Entre elas o que denomina as "prefigurações" de Cem anos de solidão. Se Borges reescreveu o Quixote, Schwarz-Bart inventou sem querer o romance de García-Márquez, antecipando-se com a solidão secular de uma família mítica judia à solidão igualmente secular da mitológica família latino-americana. Os dois romances assemelham-se pela estrutura narrativa e por numerosos traços de realismo mágico. Há no colombiano um pormenor estilístico muito original, escreve Seymour Menton que bem parece inspirado em Schwartz-Bart: "Em Cem anos de solidão, depois do massacre da bananeira, José Arcadio Segundo viu-se rodeado de cadáveres no trem rumo ao mar: ‘os mortos homens, os mortos mulheres, os mortos crianças’". Em situação semelhante de O Último dos Justos, Ernie Levy, viajando apertado no trem de Auschwtiz, recolhe com cuidado o cadáver de uma criança que acaba de morrer e o coloca [...].sobre o montão crescente de homens judeus, de mulheres judias, de crianças judias".

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García Márquez vivia em Paris entre 1955 e 1957 embora não haja provas de que tenha lido O Último dos Justos (o contrário seria inverossímil dada a celebridade do prêmio Goncourt), os dois romances assemelham-se pela estrutura narrativa e por numerosos elementos de composição. Não cabe repetir aqui a convincente demonstração em que Seymour Menton examina as sete partes que prefiguram Cem anos de solidão, nomeadamente o espaço mágico-realista (Sillenstadt e Macondo), por exemplo, os inesquecíveis (arquétipos e indivíduos) e os episódios mágico-realistas exemplares.

A etiqueta "realismo mágico" anda agora algo desmonetizada, mas tempo houve em que estudantes, professores e críticos só juravam por ela e quanto mais juravam mais aumentavam as confusões e equívocos. Tudo isso foi corrigido por Seymour Men­ton na História verdadeira del realismo mágico (México: Fondo de Cul­­tura Economica, 1998). E, antes de mais nada, a falsa ideia de que se trata de invenção latino-americana: trata-se de modalidade internacional, nas artes e nas letras. Menton refere-se ao pintor holandês Pyfee Koch, para quem o realismo mágico se baseia na representação do que possível mas improvável, enquanto o surrealismo se baseia em situações impossíveis.