• Carregando...

Em romance de mais extrema complexidade, a história da família articula-se em torno de vários personagens pelo princípio das contradições complementares: "Havia, sim, sensibilidades diferentes. mas quase todas elas fora dos padrões esperados numa rede de homens e mulheres comuns. O fato é que, na família de Júlia, o dito nelsonrodriguiano de perto ninguém é normal não funcionava muito já de longe, ninguém era muito normal. De perto então, nem se fala. Com raríssimas exceções, como era o caso dos irmãos de meu pai, o tio Oswaldo, administrador de empresas, casado com a tia Vivi [...]". (Cecília Costa. Júlia e o Mago. Rio: Record, 2009).

A arte do romance em Cecília Costa é, em particular, a arte dos perfis de caráter e traços gravados a água-forte, cada um reservado por instinto a sua margem de excentricidade que é a própria autenticidade. Assim, o pai de Júlia, personagem primordial tanto quanto ela em toda a história: "A carta do pai de Júlia, tio Oswaldo, mais parecia um gêmeo de seu irmão Antônio, não só que tinha a alma bem mais tranquila e aparentemente vivia uma existência bem mais consoante com as regras burguesas. O que não quer dizer que também não tivesse suas excentricidades [...]."

De uma forma geral, na vida como na literatura, não há família que não as tenha e, nomeadamente, a deste romance, o que antes de mais nada faz o seu interesse. É que se lê num dos "Ca­­dernos de Júlia": "Ah, famílias. Que carga. Tão doce, tão amarga. Dos cinco filhos de Julia Mann, três se transformaram em artistas sensíveis. Alemães criados em Lübecke e Munique, trariam no sangue a pitada de sal, e açúcar, dos mares do sul. O primeiro a se tornar artista foi o loiro Heinrich... Ludwig Heinriche nasceu em 1871... Thomas... segundo filho de Júlia a caminhar pela corda bamba de escritor foi Paul Thomas Mann [...]. Como ganhou o Nobel por seu livro Buddenbrooks, no qual conta a saga da família dos Mann, tem uma trajetória bem mais conhecida [...]". Foi em Munique que começou a escrever o seu Buddenbrooks que viria a ser publicado em 1901, quando já havia escrito o magistral A Montanha Mágica.

Palavras e informações que vêm do romance Cecília Costa, criando uma história complexa como ficou dito, mas algo confusa, não só pelas ramificações familiares dos protagonistas, mas também por suas relações recíprocas, inclusive as incestuosas. Por uma parte do romance, o clã dos Mann ocupa boa parte do tempo e da atenção, sem excluir certas intimidades que tendo sido mantidas em discreta confidência, têm sido ultimamente comentadas, como é comum nos nossos dias. Ou, no texto do romance: "Mesmo não era o forte do escritor que até o final da vida... alimentaria platônicos sonhos homossexuais. [...] Ordem a desordem. Tomás Mann oscilava entre a ordem e a desordem [...] Casamento e homossexualismo. Desejos incestuosos. suicídios. Descontroles. Beijos fugazes, sub-reptícios, enfermeiros (sic), mordomos (sic) e amigos do filho Klaus... Sensualidades reprimidas. Encontros em bordéis com lanternas vermelhas na porta...".

As fronteiras do mundo proustiano não se limitavam ao território francês, estendendo-se, como se sabe, aos colégios ingleses e congêneres. Quando Thomas conheceu Barbara, ainda era virgem. [...] Seis meses depois, o jovem casal praticamente são importava, mas, nos "Cadernos de Júlia", personagens convencionalmente reais e realistas de Júlia e o Mago transformam-se fictícios (e ao mesmo tempo realistas) da Montanha Mágica: "Você se lembra, pai, da mulher do tous les deux? A mãe que ficava chorar pelos corredores do Berghof... lembra-se de como Setembrini achava tudo aquilo um asco, e por isso resolveu deixar o Berghof? "O livro se inicia com uma cenaval... na Suíça: "O trem serpenteia pela encosta colina, abrindo um branco dos Alpes suíços... Foi numa terça-feira que Hanz se declara a Claudia Chuchas... Foi numa terça-feira gorda que... mas quem era Claudia Chuchas? Era um dos personagens cominantes do romance universal, que despertou no infortunado Hans Castorp um dos grandes amores da literatura universal, por um escritor cujo forte, segundo Cecília Costa, não era propriamente o sexo com a mulher".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]