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Da centena de grupos paralelos em atividade na COP/MOP, uma sigla tem o poder de provocar síndrome do pânico em alguns delegados internacionais: o Fiib, ou Fórum Indígena Internacional sobre Biodiversidade. Surgido há dez anos, em Buenos Aires, o núcleo agrega cerca de 150 etnias de 120 países e faz justiça à imagem de Babel moderna. Ali abrigam-se de representantes de povos tradicionais da louríssima e fria Europa setentrional a povos do Xingu que raramente saem da selva. O pessoal do Fiib não fala a mesma língua, não usa tailleur preto, adora penas e peles e, para felicidade geral das nações, é garantia de mídia. A imprensa adora fotografá-los.

Mas eles já estão dando seus gritos de guerra. Os indígenas rejeitam o papel decorativo que as conferências insistem em lhes reservar. E o dizem em alto e em bom som, como se viu nas duas últimas semanas. O secretário-geral da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), o argelino Ahmed Djoghlaf, teve de exercer a função de bombeiro durante a COP, apaziguando a turma do Fiib. Em outra ocasião, a TVE da Espanha, ao saber do clima de insatisfação, chamou os índios para uma reportagem que reuniu gente do Congo, da Rússia e da Ilha do Bananal, para citar alguns. Por pouco a propalada calma do homem da floresta não virou lenda.

Mais do que nunca, os membros do Fiib acreditavam que a maratona de uma COP valeria a pena. Na agenda, o item 8J da CDB, que trata da proteção do conhecimento tradicional e repartição de benefícios genéticos, veio escrito em letras douradas. Parecia ter chegado a hora de receber pagamento pelo que aprenderam em séculos de vida na mata. Desilusão. O debate não só empacou como todas as investidas para conseguir mais voz na conferência foram canibalizadas pela turma do terno. "Quem fala por nós são os países onde estamos. Mas eles não querem a nossa presença", protesta o chileno José Nain Peres, 36 anos, líder do Fiib.

Nain, como gosta de ser chamado, é mapuche, o último povo indígena da América Latina a ter seu território submetido, em 1880, depois de 300 anos de resistência. Com 200 mil pessoas, o grupo representa 10% da população chilena e ainda lhes cabe a máxima guerrilheira: "No pasarán!" Eles não deixam passar promessas de progresso por seu território, o nono dos 12 em que está dividido o país. Confira trechos da entrevista com o cacique do Fiib.

Como é a convivência de um grupo que reúne indígenas do mundo inteiro e deve ser o mais heterogêneo de toda a Convenção sobre a Biodiversidade?Difícil, em primeiro lugar por causa do idioma. Mas eu diria que o nosso fórum é muito dinâmico. Continuamente recebemos gente nova e não há limite de associação. Há gente da Noruega, Finlândia, Suécia, Rússia e uma porção de povos indígenas da Ásia, África, da América do Sul. E não contamos com apoio de nenhum governo para estar aqui, mas de ONGs.

Os participantes chamam a atenção pelas roupas. O fórum não corre o risco de ser encarado como algo exótico e nada mais?Sou muito reacionário nesse sentido. Pertenço aos mapuche, do Chile, e não estou aqui vestindo nenhum traje. Essa paisagem exótica pode se tornar uma arma. O ambiente fica bonito, mas os governos não se sensibilizam com esse tipo de prática. Eu respeito. É uma decisão de cada povo indígena.

Como o senhor avalia a presença dos indígenas nas conferências sobre biodiversidade?O nosso fórum é uma instância política, que usamos para transmitir aos países participantes nossos sentimentos em relação à CDB. Não estamos aqui para negociar, mas para defender os direitos dos povos indígenas. A CDB não se refere aos povos indígenas, mas à biodiversidade, à repartição de benefícios, ao desenvolvimento sustentável. Só que não há como falar dessas coisas sem tratar da gente. Somos parte desse convênio e, como parte, precisamos ter uma presença maior na convenção. Estamos aqui, até porque rejeitar nossa presença seria moral e eticamente condenável pela humanidade. Afinal, existe mais biodiversidade onde existem mais povos indígenas. Sabemos que a COP8 é muito importante, mas não tomamos decisões. É incômodo.

Durante as conferências houve várias manifestações do fórum indígena. Houve tensão, portanto...Temos direito a voz, mas quem decide são as partes. A convenção só vai ser aplicada se os estados melhorarem sua relação com os povos indígenas. Há uma dívida histórica a saldar. Os colonizadores usurparam nosso território, nos impuseram um sistema de vida e ainda querem se apropriar dos últimos recursos da biodiversidade que estão em nosso espaço. E sem o nosso consentimento. Nós denunciamos, mas os estados sequer nos escutam.

Com quem o relacionamento é mais difícil?Recebemos apoio especial da União Européia e enfrentamos a reticência permanente dos países dos quais somos originários. O Grulac [grupo que reúne países da América Latina e Caribe] é o que mais deseja limitar a participação indígena. Querem vetar nossa presença nos grupos que estudam recursos genéticos.

O que esperam dos países em que vivem?Que estabeleçam uma moralidade na relação com seus povos indígenas. Escapa de nós a possibilidade de avançar num mecanismo de proteção. O Brasil, por exemplo, não quer a participação dos povos indígenas. Uma pena. Tem muitos recursos e poderia desenvolver uma atividade conjunta com essas comunidades.

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