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Ficção e não ficção têm regras diferentes. É preciso percorrer caminhos distintos em uma e em outra a fim de perseguir essa maneira direta de falar, essa sinceridade a que se refere o ensaísta Phillip Lopate. O desnudamento permitido ao ensaísta – e até esperado dele – não é uma porta disponível para o ficcionista, a não ser que ele dê um jeito de criá-la.

Talvez isso explique em parte o prazer que Wallace dizia sentir ao escrever ensaios pessoais: neles, o ambiente é de franqueza, parece um lugar mais acolhedor que o da ficção, ainda que a confiança do leitor tenha de ser conquistada.

Confiamos em ensaístas porque eles expõem seus medos, incertezas e desconfianças (às vezes lançadas contra si próprios). Para alguém como Wallace, cuja ficção caminhava carregando pesos enormes no que se refere à maneira de dizer o queria dizer, escrever um ensaio era correr leve.

“A sinceridade deles [dos ensaístas] está ligada à percepção do seu potencial para a insinceridade”, afirma Lopate, que admitia a possibilidade de um escritor simular a retórica da sinceridade e até de fingir vulnerabilidade. “Mas se isso é feito com frequência o leitor perspicaz vai se afastar dele, sentindo repulsa. A luta por honestidade é central entre os valores do ensaio pessoal.”

Nota de rodapé

David Foster Wallace ficou conhecido por usar muito e de jeitos inesperados um recurso pouco comum na literatura: a nota de rodapé

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Em 2003, dez anos depois de escrever “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo”, Wallace cobriu o Festival da Lagosta do Maine e uma mudança de tom ocorre no texto que resultou desse trabalho: “Pense na lagosta”. Nos ensaios para a “Harper’s”, ele, então com 31 anos, questionava a própria autoridade ao reportar sobre os temas que foram determinados pela “revista classuda” da Costa Leste. É uma atitude que antecipa comentários do tipo: “Mas você nem é jornalista!” ou “Quem você pensa que é para escrever isso sobre a Feira Estadual de Illinois?”. Aliás, Wallace passa parte dos textos tentando justificar o motivo que teria levado a publicação nova-iorquina a pedir para ele reportar sobre aqueles assuntos e o que o habilitava ou não para fazê-lo.

Ao escrever “Pense na lagosta”, ele estava mais velho, experiente (tinha 41 anos) e confiante. No texto, ele soa mais assertivo e, apesar de ter sido contratado por uma revista de gastronomia chamada “Gourmet”, ele sai em defesa do “crustáceo marinho da família dos homarídeos”, questionando a crueldade com que costuma ser preparado e criando argumentos consistentes sobre em que medida o animal sente dor, sobre como a dor opera no sistema nervoso dos seres vivos e sobre como a dor é percebida – mesmo entre os seres humanos, não é possível saber que alguém sente dor, mas podemos entender que alguém age de forma a indicar que sente dor (uma careta, um gesto, um gemido).

As lagostas – e esse é um ponto importante do texto – costumam ser fervidas ainda vivas e se agarram às beiras do tacho “como uma pessoa dependurada de um telhado”. O comportamento delas, diz Wallace, é “muito parecido com o que eu ou você apresentaríamos se fôssemos atirados em água fervente”.

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