Dora Bruder foi vista pela última vez em um domingo. Tinha 15 anos, 1,55 metro de altura e cabelos castanhos na altura dos ombros. Usava um casacão cinza.
Olhando fotos de Dora na internet, consigo entender o que gerou a obsessão de Patrick Modiano por ela. Dora não era exatamente bonita, ou pelo menos não no padrão de beleza clássico. Tinha nariz batatinha, falhas nas sobrancelhas e usava franjinha no meio da testa. Seu olhar era marcante, mas não menos que o da mãe ou do pai, que também aparecem nas imagens. Ela era comum.
A diferença é que Dora tinha ascendência judaica e vivia na Paris ocupada por nazistas. Era mais uma daquelas pessoas que Modiano descreve como "amigos que não conheci".
Modiano também era judeu e também fugiu de casa aos 15 anos. Mas então os tempos já eram bem diferentes daqueles vividos por Dora.
Claro e fluido, o livro é um exercício de memória. A investigação sobre a vida de Dora se expande e vira uma reflexão sobre o que é viver em uma cidade num determinado período.
Dora apareceu pela primeira vez para Modiano em uma edição do jornal Paris-Soir de 31 de dezembro de 1941. O texto começava com "procura-se uma jovem ". O escritor pensou na família que passaria a noite de ano novo sem a filha. A ideia de Dora desaparecida se aninhou na cabeça de Modiano como uma daquelas fixações que persistem com o tempo.
Ele encontrou poucas pistas. Que Dora foi registrada em um internato católico; que o pai era mutilado de guerra; que a mãe se tornou indigente depois que o pai foi mandado a um campo de concentração. A prisão do pai foi registrada em um documento nazista logo depois da publicação no jornal. Modiano suspeita que tenha sido por causa da exposição com a nota.
A busca por Dora durou décadas e se confundia com a topografia de Paris. Imaginar o caminho que a garota percorria quando saía do internato e ia visitar os pais aos domingos era como estar perto de um "campo magnético, mas sem um pêndulo para captar as ondas".
Sobre as ruas, pesavam todos os olhares anteriores aos do escritor.
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