É mais ou menos isso: em Uma Rua de Roma, o campo de jogo de Patrick Modiano é um labirinto e a bola é um conjunto de lembranças não necessariamente verdadeiras. Originalmente publicado em 1978, o livro recebeu de uma vez só o Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa e o tradicional Goncourt. Os louros foram para um jovem escritor de 33 anos e, de quebra, definiram o tema que o consagraria definitivamente: a memória.
Com seu estilo enxuto e fluido, sem barroquismos de ocasião ou digressões pretensiosas, Modiano nos oferece um enredo e tanto. A história é a de Guy Roland, um detetive particular que sofre de amnésia. Para buscar sua própria (e verdadeira) identidade, ele segue as pistas de suas lembranças fugidias. Reencontra pessoas, faz entrevistas, revisita lugares (todos existentes), pesquisa documentos, cartas e fotografias antigas e começa a montar um quebra-cabeça que toma forma na Paris de 1965.
Como se evocasse um Poe moderninho, Modiano se apropria de recursos narrativos do film noir e da narrativa policial clássica. Ruas mal iluminadas, bares esfumaçados, apartamentos decadentes são os cenários encontrados por Guy Roland.
Há ainda uma obsessão pela cor verde, o toque surreal em um romance que, se não apresenta exibicionismos formais, brinca com o tempo ao nos oferecer capítulos rememorativos narrados pelo próprio protagonista e não mais por gente como um fotógrafo de moda aposentado, um pianista em fim de carreira ou um jóquei inglês inválido depois de um acidente. Para Modiano, o tempo é assim: volátil. E a memória é como um espelho gigantesco e onipresente.
Uma Rua de Roma tem como contexto a ocupação alemã da França, entre 1940 e 1944 as memórias que Guy investiga são de 20 anos antes do tempo presente da narrativa. Um dos períodos mais traumáticos da história da Europa encontra, então, significado particular na origem da amnésia de Guy um sujeito, pois, desnorteado, descrente e sem referências, que gira em torno de si mesmo. O labirinto percorrido por alguém em busca do passado e sem futuro funciona como uma baita metáfora para compreender aquele em que seu próprio país está perdido.
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