Os alicerces da obra de Dalton Trevisan são tão particulares quanto o estilo de vida do escritor. Quem o conhece sabe: Dalton possui resistência inflamada a qualquer contato que não seja de iniciativa própria. Uma personalidade arisca que, contraditoriamente, deixa rastros evidentes.
Não é de agora que o escritor prefere o lar de portas fechadas à agitação que sua carreira proporcionaria. Há mais de 40 anos ele mantém alerta máximo contra a mídia (sua última entrevista foi concedida em 1972), abordagens de fãs e curiosos e convites para eventos, reforçando o mito.
Em 2012, quando recebeu o reconhecimento máximo da literatura de língua portuguesa, o Prêmio Camões, recusou-se a ir pessoalmente receber a láurea.
Foi representado pela vice-presidente da editora Record, Sonia Jardim. Compreensível, o júri não fez caso e reforçou a tese defendida por Dalton nas raras vezes em que explicou sua personalidade taciturna, justificando que a obra é mais importante que o autor.
“Dalton Trevisan não tem como ser cânone”
Michel Laub, Marcelo Backes e Fabrício Carpinejar falam sobre a relação de sua geração com a obra do contista
Leia a matéria completaMas, se por um lado o contista curitibano defende de maneira veemente o distanciamento entre seu trabalho e sua vida particular, por outro, esses dois mundos parecem se aproximar nas páginas dos livros.
“Penso que a personalidade arredia de Dalton se faz presente em seus textos”, afirma o professor de literatura da Universidade Federal do Paraná Marcelo Sandmann. Para ele, a obra produzida pelo contista reflete, de uma certa maneira, o jeito reservado de enxergar o mundo.
“[A obra de Dalton] é marcada pelo olhar de alguém que observa personagens e situações de maneira distanciada, sem muita empatia, de maneira crua, sem maior envolvimento. O lado arredio do autor reflete-se na maneira igualmente arredia, deslocada, esquiva do narrador, e no jeito altamente elíptico de sua linguagem e de suas histórias”, explica.
O fato de se autorretratar em seus escritos também parece comprovável para uma das pesquisadoras da obra de Dalton Trevisan, Sueli Monteiro, que vê o reflexo evidente em alguns contos, como “Quem Tem Medo de Vampiro?”.
Conheça todas as obras de Dalton Trevisan
Na bibliografia de Dalton Trevisan, os poucos títulos não editados pela Record estão indicados
Leia a matéria completa“Criou-se nele uma figura duplicada: Dalton Trevisan falando sobre o outro Dalton Trevisan, aquele que os críticos construíram, ‘impostor posto em seu lugar, um sanguessuga’: ‘um vampiro’. O autor se manifesta, assim, como um efeito do olhar alheio, podendo até ser visto pelo viés de uma personalidade arredia”, diz Sueli.
Sem estratégias
A velha máxima do “quem não é visto não é lembrado” não pertence ao mundo de Dalton Trevisan. Embora recluso, tudo o que ele não faz ou fala acaba se tornando uma isca para quem não compreende o jeito “estranho” que ele tem de levar a vida.
O paranaense Marcio Renato Pinheiro da Silva, que também conduz pesquisas acadêmicas sobre a obra de Dalton, acredita que a reclusão gradativa do escritor, que se envolveu intensamente com a imprensa na década de 1940 (em referência à participação ativa no grupo literário que publicou a revista Joaquim, entre 1946 e 1948), pode ser vista até mesmo como um atrativo de novos leitores – embora, destaque, “não seja essa a intenção do autor”.
Curitiba tem uma aura “fria, quieta e sombria”
A Curitiba de Dalton foge da utopia e prefere seus lugares e habitantes renegados
Leia a matéria completa“É diferente de tudo o que se vê hoje, com escritores que se manifestam nas redes sociais, dão palestras, participam de eventos literários. Isso pode, eventualmente, despertar curiosidade no leitor. Mas o Dalton vê a literatura mais como trabalho do que como espetáculo”, ressalta.
Correr na contramão do comum não quer dizer, contudo, que o contista curitibano se aproveite de sua natureza taciturna para colher os frutos de uma publicidade às avessas. Sandmann, da UFPR, defende que esta, definitivamente, não é uma estratégia do autor, mas apenas “um misto de timidez, senso de ridículo e integridade literária, coisas meio incompreensíveis nos dias que correm”.
A pesquisadora Sueli Monteiro vai além e argumenta que, o que para muitos pode ser enxergado como uma tática, não passa de uma imagem da qual o escritor já não consegue mais se desfazer, reafirmando a ideia central defendida por Dalton: de que o conto é sempre melhor que o contista.
“Nosso contista já não pode mais se libertar da imagem do ‘Vampiro’, o que vem atestar sua grandeza de escritor”, diz. “O ‘Vampiro’ Dalton Trevisan parece mesmo mais coerente se entendido assim, neste jogo de espelho em que o reflexo é recusado”.
Vai piorar antes de melhorar: reforma complica sistema de impostos nos primeiros anos
Nova York e outros estados virando território canadense? Propostas de secessão expõem divisão nos EUA
Ação sobre documentos falsos dados a indígenas é engavetada e suspeitos invadem terras
“Estarrecedor”, afirma ONG anticorrupção sobre Gilmar Mendes em entrega de rodovia