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O ator Caio Blat é Frei Tito no longa "Batismo de sangue" (veja trailer), que estréia na próxima sexta-feira (20) nos cinemas. O ator revive a história do dominicano que, ao lado de um grupo de frades nos anos 1960 passa a apoiar a luta armada contra a ditadura militar. A história é baseada em fatos reais e foi descrita no livro homônimo lançado em 1982 por Frei Betto. Na adaptação dirigida por Helvécio Ratton, Betto é vivido por Daniel Oliveira.

Frei Tito tem sua passagem no livro destacada. Em especial, por não suportar os fantasmas das torturas que o assombravam. Ele acabou se matando num convento na França, para onde foi depois do exílio. Blat, que também estará nas telas como um estudante idealista em "Proibido proibir", interpreta com magestria o personagem.

Convidados pelo GLOBO ONLINE, Frei Betto e Caio Blat conversaram sobre "Batismo de sangue", consciência política, fé e movimentos de esquerda ontem e hoje. Leia o bate-papo abaixo:

O que significa na sua carreira artística atuar em "Batismo de Sangue"?

Significa o melhor momento da minha carreira, encontrar-me tão jovem nesta fase excepcional para o cinema brasileiro, podendo construir nossa história visual, rever o passado recente, com este personagem complexo e digno que foi o Tito.

Foi sofrido interpretar o personagem Frei Tito de Alencar?

Foi doloroso e sofrido. Reconstruir esta tragetória de entristecimento e isolamento de Tito foi difícil. Muitas vezes me pegava chorando de angústia no quarto de hotel, durante as filmagens. Acho que eu também não suportaria passar pelo sofrimento que foi causado ao Tito.

Trabalhar nesse filme mexeu com sua consciência política, vai mexer com outros jovens? Em que sentido?

Nos faz agradecidos e aliviados por termos nascido numa democracia, mas também nos faz pensar em como recuperar o papel contestatório da juventude apos tantas desilusões e desgaste dos ideais, das utopias e da esquerda brasileira.

Caio, o filme acrescentou algo em sua espiritualidade?

Tenho muita fé, foi muito bom conhecer melhor os dominicanos que trouxe novas esperanças de uma igreja progressista e comprometida socialmente.

É importante que os jovens vejam este filme? Por quê?

Porque um dos efeitos da ditadura foi interromper a passagem do bastão para nossa geração, no sentido de não termos herdado uma consciência política desta época. Com o cinema podemos recuperar esta memória, resgatar nossa história recente, reconsiderar nossos ideais.

Frei Betto, revendo essa época no filme, entre ideais e decepções, com tantas perdas como o Frei Tito, qual o balanço que você faz desta luta? Vocês se arrependem de algo? Fariam tudo outra vez?

Não me arrependo de nada e tenho um sadio orgulho dessa luta. As funções políticas hoje não exigem aquela forma de luta, porém se as liberdades democráticas fosse suprimidas e não restasse alternativa, eu faria tudo outra vez.

É sofrido rever essas memórias na tela?

Mais sofrido foi ter vivido isso que o livro e o filme retratam. O livro, de toda minha obra, foi o que mais me exigiu. Foram 10 anos. Fiquei muito comovido ao assistir o filme. Mexeu com minhas entranhas, minha consciência, minha memória. Considero o filme um coroamento do livro. Estou feliz com o fato do longa-metragem trazer à tona todas estas histórias. Neste sentido, a arte cinematográfica tem mais alcance que a literatura.

De uma certa maneira, a esquerda do país foi assimilada pelo poder, perdeu a maior parte de seu significado ideológico e repete as práticas do fisiologismo político. De onde esperar novas forças de renovação social?

Dos movimentos populares como o MST, as comunidades eclesiais de base e tantos outros que teimam em acreditar em um outro mundo possível. E em outro Brasil possível. Durante um certo período acreditei que meu tempo pessoal coincidiria com o tempo histórico. Hoje, estou convencido que isso não acontecerá. Porém, insisto em morrer semente. Como dizia Henfil, "se não semearmos flores, não haverá primavera".

Betto, como é lidar com tantas transformações no comportamento na atualidade, como nos casamentos, no sexo, dentro da igreja católica? Como é preservar a fé nos dogmas e na hierarquia sem se distanciar dos jovens e das transformações sociais?

Deus é amor. E o amor engloba todas as situações humanas e todas as mutações da vida. O meu critério são as bem-aventuranças do evangelho. Todos aqueles que lutam, movidos por fome e sede de justiça, convivem com a proposta de Jesus. A minha fé não está baseada em proibir, e sim em um encontro amoroso com o próximo e, portanto, com Deus.

Se pudesse, o que você acrescentaria ao filme "Batismo de sangue?"

Acrescentaria mais duas horas para que o Helvécio Ratton pudesse exibir muito mais detalhes de toda a história. O filme é uma condensação primorosa de tudo o que ocorreu, porém, assim como eu escrevi para o Helvécio ao dedicar-lhe o livro, "a vida extrapola a ficção". A história real continua também extrapolando o filme.

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