O cineasta dinamarquês Lars von Trier disse na quinta-feira que está "chocado" por ter sido expulso do Festival de Cinema de Cannes deste ano pelo fato de ter dito em coletiva de imprensa, como brincadeira, que era nazista e simpatizava com Hitler.
Falando ao telefone desde um hotel na saída do resort da Riviera francesa, o diretor independente de 55 anos disse que houve um "mal-entendido", mas que ele se comportou de "um jeito muito estúpido e pouco profissional".
"Estou muito além de decepcionado, estou muito farto da história inteira", disse à Reuters o cineasta, famoso por ser provocante, no dia em que a decisão sem precedentes de Cannes dominou as conversas no evento que é a maior vitrine de cinema no mundo.
"Tenho que admitir que isto foi um grande choque para mim."
Na bizarra coletiva de imprensa da quarta-feira, Von Trier, que estava em Cannes para falar de seu filme "Melancolia", lançou-se em um monólogo desconexo sobre sua ascendência judaica/alemã, antes de fazer as declarações que levaram a sua expulsão.
Ele disse em tom de brincadeira que era nazista, que simpatizava "um pouquinho" com Hitler, qualificou Israel de "pé no saco" e resmungou a frase "a solução final para os jornalistas".
Na entrevista da quinta-feira, em que falou em inglês, Von Trier disse que tinha perdido de vista o fato de que estava falando a um público imenso, através da mídia internacional.
"Eu penso que estou conversando com meus amigos no café, e, de repente percebo que estou falando com o mundo, que não acha graça nenhuma."
Indagado se o mundo teve razão em não achar graça em suas declarações, Von Trier respondeu: "As pessoas que não acham graça sempre têm o direito de não achar graça - acho que isso é justo. Se eu causei dor a pessoas, lamento muito. Não foi essa minha intenção."
Pedir desculpas é "um pouco desagradável"
A decisão do Festival de Cannes de expulsar um de seus cineastas favoritos dividiu fortemente as opiniões entre o público. Algumas pessoas defendem a decisão dos organizadores, enquanto outros os acusam de render-se à correção política.
Von Trier argumentou que, para ele, o modo como se expressa talvez seja tão importante quanto o que ele disse.
Referindo-se ao comentário em tom de desprezo que fez sobre Israel, o cineasta disse: "Isso foi uma coisa ridícula de dizer, é claro, mas o que eu quis dizer é que não concordo com a política externa de Israel, o que não é algo que possa me converter em 'persona non grata'. Acho."
Ele acrescentou que a política deve ser mantida à parte de um evento cultural como Cannes.
"Acho muito estranho, porque se eu fosse Hitler e fizesse um monte de coisas estúpidas, em minha opinião eu ainda poderia ir a um festival de cinema. Acho que você deve manter essas duas coisas separadas. É um pouco como esporte e política."
Ele também questionou o que viu como sendo um hábito americano de as pessoas pedirem desculpas por seus erros.
"Pedir desculpas é algo que, para mim ... é algo que acho um pouco desagradável, porque pedir desculpas não resolve nada. Acho que pedir desculpas é uma coisa muito americana. Não muda nada, é muito fácil e é totalmente sem conteúdo."
"Não, eu não peço desculpas, mas lamento se causei dor a algumas pessoas. Não foi essa minha intenção."
Quando lhe foi perguntado como se deu a decisão de Cannes e quanto ele sabia a esse sujeito, Von Trier disse que foi procurado por pessoas que queriam que ele dissesse que estava arrependido.
"Então houve um momento de virada em que alguém quis que eu dissesse que (o arquiteto nazista) Albert Speer não foi um artista, então entrou em ação meu passado cultural radical, que afirma que eu não posso declarar isso, porque Speer foi um artista."
"Então eu fui obrigado a falar 'não, isso eu não posso retratar'".
Von Trier disse que recebeu ordens de manter distância de pelo menos 100 metros do prédio do Palais, onde o festival acontece.
"Não sei se algum dia vão me autorizar a entrar no Palais outra vez", ele falou. "Talvez Cannes tenha me expulsado para que eu me torne um rebelde maior."
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