Depois de publicar nas redes sociais uma carta aberta a Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, na semana passada, na qual propunha entendimento e cessar de hostilidades entre ele e os destinatários, o músico Lobão publicou neste domingo (3) uma nova mensagem ao trio.
Lobão critica a falta de resposta a seu manifesto. Gilberto Gil disse que recebia a carta de Lobão com “leveza”, sem se estender em comentários. Chico Buarque postou em rede social que não iria ler a mensagem. Caetano Veloso, fora do Brasil, não se manifestou.
Na nova carta, Lobão diz que Chico Buarque deveria pedir desculpas ao povo brasileiro “pela falência absoluta de suas crenças ideológicas.”
Abaixo, a íntegra da carta:
“Caros amigos,
Há uma semana escrevi uma carta aberta a vocês e, como já poderia prever, não houve nenhum sinal significativo de resposta.
Saliento comovido e contente o meigo e solitário depoimento de Gil ao aceitar as minhas desculpas. Contudo, se Gil se dispusesse a ler o texto com atenção constataria que o cerne da questão gira em torno de um outro intento: uma convocação.
Chico deixou bem claro que sequer se interessara em ler a mensagem quanto mais respondê-la e Caetano adotou uma atitude evasiva eximindo-se de qualquer manifestação a respeito.
Pois bem, apesar desse comportamento um tanto lacônico por parte de vocês três, sou forçado a constatar que a carta causou um forte impacto entre oposicionistas, governistas, populares, isentões e intelectuais dos mais variados sexos, feitios e tamanhos. Reações que variaram entre o rejúbilo, o amor, a compreensão do meu gesto (era essa a minha meta), e o repúdio, a indignação e o desprezo (para o meu espanto!) sendo que nessa segunda categoria de reações descontroladamente apaixonadas, expressaram seu veemente protesto, tanto alguns muitos oposicionistas me criticando por ter ‘amarelado’ diante de ‘artistas vendidos’, como governistas explodindo de indignação por acharem o cúmulo dos cúmulos um nada como eu pleitear uma conversa com o Olimpo ‘da nossa MPB’.
A que ponto chegamos, não é verdade? Entretanto, nutrido pelos sinceros sentimentos que me guiam somados a uma necessidade premente de esclarecimentos e mudanças, não somente na mentalidade como também nos desígnios políticos em que se enredou a nossa classe, retorno ao teclado do computador para redigir-vos mais um insistente apelo.
Optarei, como recurso didático e adequado para essa ocasião, adotar a abstrata condição de nada. Portanto, a partir de agora, me apresentarei assim: Muito prazer, meu nome é Nada.
Ser Nada muito me convém para que meus motivos se ergam das névoas da dúvida. Ser o Sub do Mundo é uma condição que muito me convém para ser mais bem sucedido em mostrar a vocês três os absurdos, discrepâncias e cacoetes comportamentais que doravante exporei.
Vou dividir meu carinhoso pito em duas partes: a primeira caberá a Caetano e Gil, a segunda a Chico. Prossigamos.
Querido Gil, você ocupou o cargo de ministro da Cultura durante os oito anos da administração Lula e prossegue, na administração Dilma com forte penetração no ministério, pois o atual ministro Juca Ferreira é homem de sua inteira confiança tendo atuado como seu subordinado no tempo em que você foi o titular da pasta. Não sei se é apenas uma estranha coincidência, mas foi exatamente durante todo esse período que as perversidades e aberrações da Lei Rouanet começaram a pulular em total descontrole. Foi aí inaugurada a era em que artistas consagrados com grande nicho de público e mercado, começaram a pautar seus eventos, shows, projetos, discos e DVD por intermédio de subvenção de incentivos hospedados no bojo dessa lei, transformando o mainstream cultural num antro de parasitas, chapas-brancas e castrados de opiniões confiáveis.
Essa lei proporcionou que a criação artística decrescesse a níveis alarmantes, pois os tais editais dos quais se extrai a grana dos medalhões privilegiam as enfadonhas comemorações de aniversários de carreira, reuniões insólitas entre artistas improváveis, homenagens pouco sinceras a astros falecidos, festas sem algum sentido real de se comemorar e outras chicanas lamentáveis para justificar o uso do dinheiro público.
Para piorar a situação, como se isso só não bastasse, esse grupo de parasitas passa a atuar como um grupo de ardentes defensores do governo. É a Era do Artista Chapa-Branca. Uma era a ser esquecida.
Imagine você, Gil, faça um exercício de alteridade e experimente o meu espanto em saber um ministro da Cultura ter um camarote no carnaval de Bahia subvencionado com uma grana possante da lei Rouanet! Isso, definitivamente não é bonito. E para agravar a situação, é de se prever que artistas periféricos sem a metade de seu talento se estimulem e muito em se lambuzar nesse mesmo estilo sem o menor prurido de consciência, não é mesmo?
Quanto a você, Caetano, pilotando uma outra desastrosa escaramuça temos o Procure Saber capitaneado por sua esposa, arregimentando algumas dezenas de artistas a impor goela abaixo, a toque de caixa, uma lei absurda que estatiza os direitos autorais aprovada com uma celeridade inexplicável extraída dos parlamentares diante daquele decadente espetáculo no Congresso Nacional protagonizado por nada mais nada menos que Roberto Carlos cercado de uma plêiade de artistas circunstantes. Roberto que aceitou ser anexado ao grupo em troca de vossas presenças, Caetano Gil e Chico na defesa a censura das biografias não autorizadas.
Isso também não é bonito.
E o resultado disso? Se vocês ainda não sabem, procurem saber! A lei que estatiza os direitos autorais designando ao ministério da Cultura o controle das entidades de arrecadação, provocou um decréscimo dramático na arrecadação de mais de 350mil autores, compositores e músicos em todo o Brasil. Sem falar das demissões em massa de funcionários no ECAD e nas Associações de músicos e compositores.
Eu tenho aqui comigo os dados e se vocês tiverem maior interesse, posso mostrá-los com mais detalhes assim que vocês o desejarem.
E é como Nada que me dirijo a vocês, como um anônimo entre esses autores e músicos que tocam nos bares, botequins, churrascarias, quermesses, puteiros e coretos, como par desses artistas que estão apartados de grandes eventos, que não têm acesso a leis de incentivos, que não são residentes de trilhas de novelas de grande emissoras, que não contam com o beneplácito das editorias de cultura dos jornais... É como um Nada amalgamado àqueles que não fazem parte de cortes de subservientes a posar como um entorno cenográfico de coronéis da canção que profiro um apelo angustiado: Seria plausível vocês reverem suas posições quanto a essa lei de direitos autorais e nos ajudar a revogá-la? Ainda é tempo. O STF está analisando nosso pedido de revisão e o relator é o Ministro Fux. Seria lindo nos aliarmos nesse momento de tamanha gravidade. Seria mais lindo ainda derrubar a Lei Rouanet como vigora e tentarmos direcionar seus benefícios àqueles que realmente dela precisam (Sou o Nada mas, mesmo nessa hipótese continuaria a não me incluir como beneficiário).
Seria muito triste vocês, que tanto fizeram pela música e a cultura brasileiras, se resumissem, se reduzissem já entrados nos seus setenta anos, como ícones de uma era vergonhosa, como defensores de um governo execrável, incompetente, corrupto, criminoso. É disso que estou falando. Ainda há tempo! Só o perdão liberta! Posso dizer de coração, uma vez que vim a público vos pedir o meu. O arrependimento lhes concederá uma verdadeira bênção, podem crer.
Chico, te deixei por último, longe de ser o menos, pois hei de fazer aqui uma ressalva em sua defesa por ter sabido através de uma amiga em comum ser você contrário a utilizar pessoalmente da Lei Rouanet e perceber, até onde posso conceber o que é justiça, não ser você responsável por aparentados seus nem mesmo o diretor que fez um filme sobre sua obra, todos estes, maiores de idade, serem beneficiários dos incentivos da dita-cuja. Se isso realmente procede, preciso dar-lhe meus parabéns ‘localizados’.
Localizados sim, pois gostaria muito de ampliá-los ao resto de sua conduta, no entanto é na clave da tristeza e da angústia o diapasão que domina todo o restante da minha mensagem.
Caro Chico, você já tem 50 anos de vida pública, pelo menos. Com a sua inteligência e talento é de assustar sua impermeabilidade diante da falência absoluta de suas crenças ideológicas. E por isso mesmo, um exemplo vivo do modelo do intelectual brasileiro a viver na infâmia da delinquência intelectual.
Se todos nós concordamos que toda a ditadura é algo injustificável, mais injustificável ainda atacar uma ditadura defendendo outra e é exatamente assim que você agiu no período da ditadura militar e vem assim se jactando imune a dúvidas no transcorrer de todas essas décadas.
Para deixar escancarada a minha angústia, gostaria de invocar um Nelson Rodrigues descendo do céu em que atualmente habita, com seu olhar sampaco, suas bochechas ondulantes, com as mãos apoiadas nos cotovelos a dirigir-lhe entre baforadas de Caporal Amarelinho uma súplica daquelas, rodrigueanas... algo como: Chico Buarque, só o perdão liberta! Encha de ar vossos pulmões e brade forte e alto como jamais outrora ousara bradar dirigindo-se contrito ao povo brasileiro: Povo brasileiro, me perdoe. Me perdoe por ignorar seu descontentamento, suas desgraças e sua legitimidade em protestar contra esse governo criminoso. Me perdoe por aviltá-lo chamando de golpista toda uma nação genuinamente enfurecida.
Me perdoe povo brasileiro por ser um charlatão em posar contra uma ditadura militar e ser amigo durante todos esses anos de um dos maiores ditadores genocidas da história, Fidel Castro.
Me perdoe, povo brasileiro por defender o indefensável, por interferir com o meu prestígio logrando a confiança que milhões de brasileiros depositaram em meu chamado, por defender uma presidente que beira a demência, por defender um psicopata que anseia se perpetuar no poder através do crime, do suborno e da falcatrua. Me perdoe, povo brasileiro por defender uma organização criminosa como nunca dantes na história da humanidade ocorreu aqui em terras brasileiras e que é dirigida pelo Foro de SP tendo como os irmãos Castro centro de todas as ações criminosas perpetradas em toda América Latina. Me perdoe por ser leniente com narco ditaduras como a Venezuela e a Bolívia, com seus milhares de assassinatos e presos políticos, por esse regime brega, retrógrado, autoritário e cafona que é o bolivarianismo.
Me perdoe, povo brasileiro por ser cúmplice de toda essa ignomínia, e por isso mesmo, carregar minhas mãos respingadas com o sangue desses incontáveis que tombaram sob o jugo de assassinos. Me perdoe, povo brasileiro por ser eu, um mimado por uma corte de intelectuais flácidos ao meu redor me tornando imune a qualquer drama de consciência e insistir em subscrever um ideário comunista que tem sob seu manto a opacidade dos medíocres, cujo o único brilho que emana de seus anseios é o da inveja, da revanche e do ódio. Enfim, povo brasileiro, me perdoe por te trair”.
Desincorporando Nelson e retornando a minha condição de Nada, de Sub-do-Mundo quero terminar essa carta ressaltando mais uma vez esse momento terrível que o Brasil está passando, as nossas responsabilidades diante desse momento e de nossa boa vontade independente de quais lados nos posicionemos, esperando que as linhas desse Nada que vos escreve possam fazer alguma diferença (para melhor) nesse impasse a nos envolver. E que elas tenham alguma chance real com a vossa determinante ajuda, em contribuir para um Brasil mais adulto, mais justo e mais unido.
Um forte abraço. LOVE, LOVE, LOVE
Lobão (SP, 3 de abril de 2016)”
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