Perplexos com o avanço das trocas gratuitas de arquivos musicais pela internet, os produtores independentes seguem de pertos os passos da velha indústria fonográfica, que tanto questionaram. Também apegados ao CD, que lhes parece a única forma viável de ganhar dinheiro no mundo digital, eles também decidiram processar o Kazaa, site que permite o compartilhamento de músicas sem o devido pagamento de direitos autorais. E já anuncia a disposição de processar o YouTube pelo mesmo motivo. Enquanto o primeiro processo já corre na corte federal australiana, com adesão prevista da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), engatinha a busca de soluções que tornem viável a sobrevivência dos independentes, que detêm cerca de 30% do mercado mundial de lançamentos musicais.No ano passado, grandes gravadoras foram indenizadas em cerca de US$ 125 milhões. Embora movido pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), que diz representar todo o segmento, o processo ignorou os independentes na repartição do bolo, que lambuzou apenas os beiços de Universal Music, Sony BMG, Warner e EMI. Correr atrás do prejuízo, no rastro das grandes gravadoras, foi, até agora, a mais organizada resposta dos independentes, responsáveis pela maior parte das novidades no mercado da música, ao profundo desconforto com a febre do MP3.
Principal executivo da organização sem fins lucrativos Merlin, que defende interesses comerciais de produtores e gravadoras com menos de 5% do mercado em 25 países, Charles Caldas esteve no Brasil esta semana para participar do 5 Encontro Anual da ABMI e convencer os brasileiros sobre a ação judicial. Ouviu muitas preocupações quanto à "crise" no setor e ao epidêmico avanço dos downloads de música. Mas, apesar da ressaca cibernética, não está nos planos uma caça a internautas que trocam músicas na rede, como fizeram as grandes gravadoras dos Estados Unidos, que conseguiram indenização de até US$ 222 mil de um dos 30 mil usuários processados por pirataria. Caldas, inclusive, defende que não há melhor promoção do que a feita por alguém que gostou de uma música e resolveu compartilhar.
- Do ponto de vista de mercado, temos que usar as novas formas de consumo de música para criar negócios. Definitivamente, não faremos isso ao modo americano, que é inibidor - critica. - A idéia de o consumidor distribuir é interessante para o independente.
Para os próximos anos, o que está na pauta é mudar a legislação e garantir que provedores de internet, empresas de telefonia, sites de compartilhamento de arquivos digitais e até fabricantes de celulares e tocadores de MP3 sejam obrigados a destinar parte de suas receitas ao pagamento de direitos autorais.
- Controlar as trocas de arquivo não dá. Mas podemos regular, já há tecnologia para rastrear, como o audio fingerprint, que identifica quando uma música é tocada em um site como o YouTube. Assim, podemos estimar o valor devido.
O tempo pressiona os independentes como nunca. Como a indústria tradicional, eles viram as vendas de CDs caírem vertiginosamente e ainda não se apropriaram das facilidades do mundo digital. No encontro da ABMI, o tema recorrente foi a busca de um novo modelo para ganhar dinheiro e preservar direitos do autor. Por enquanto, como as grandes gravadoras, os independentes se agarram ao mundo físico, mais precisamente ao CD, maior inovação da indústria no ano de... 1982.
- Não vejo a tendência de o arquivo digital substituir o CD, que é um suporte confiável. Uma coisa é o acesso, a outra é armazenar. O CD continuará representando a maior parte da receita dos independentes - aposta Roberto Carvalho, presidente da associação.
O presidente da Microservice, maior fabricante de Compact Discs do país, confirma o prognóstico. Isaac Hemsi esteve no encontro da ABMI - do qual era o principal patrocinador - para assegurar que o CD não morreu e apresentar aos associados um "novo" sistema de distribuição de discos, com a promessa de tirar de pequenos selos e gravadoras independentes o fardo de fazer a bolachinha prateada chegar ao consumidor. Segundo ele, CD ainda é uma mídia econômica, barata. E só ficará obsoleto quando houver um substituto físico que apresente vantagens como robustez, interatividade e mobilidade.
- Não acreditamos que isso aconteça em 10, 15 anos.
Hemsi aposta na convivência de tecnologias diferentes por um bom tempo, como avanço do DVD e do HD-DVD (de alta definição). Roberto Carvalho concorda, mas reconhece que muitos dos novos apreciadores de música jamais consolidaram o hábito de comprar CDs. Aprenderam a buscar o que desejam pela internet, sem o meio "físico".
- Temos que fazer campanhas educativas pelo download legal e vender CDs por impulso, após shows - imagina.
Talvez seja pouco, olhando-se para toda a indústria da música, na qual apenas a venda do CD tem números negativos ano após ano. Na Europa, por exemplo, aumentam as cifras geradas por shows, ringtones, licenciamento para TV e videogames e até mesmo com a venda de compactos em vinil. O mesmo vale para negócios com download legal. No Brasil, o Ecad, órgão de arrecadação de direitos autorais na música, aumentou sua receita em mais de 100% de 2000 a 2006.
- Por isso, a discussão fica muito pobre quando se resume ao CD, a única parte do mercado de fato em crise - pondera Ronaldo Lemos, professor e diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV. - Os suportes físicos estão mudando, só que são renováveis e maiores. Um Ipod armazena mais de dez vezes o que cabe em um CD. Então, é preciso considerar isso e observar toda a indústria, e não só a que está vinculada ao CD - aconselha.
Lemos coordenou até o último sábado (10) o 10º Artist Meeting, que reuniu músicos de nove países em torno de temas como distribuição digital e pagamento de direitos autorais. As gravadoras também estão se coçando. Caso da Biscoito Fino, que amealhou boa parte dos artistas populares egressos das majors, que viraram minors, mergulhadas na crise atribuída à pirataria, má gestão e escândalos contábeis.
- Teremos encontros durante todo este mês com especialistas para qualificarmos nossas dúvidas a respeito dos rumos do mercado - adianta Olivia Hime, uma das criadoras da gravadora independente. - Temos que entender o ouvinte de hoje, saber se ele quer o CD cheio ou não e como o artista se sente diante disso. Mas é preciso ter a moleira aberta.
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