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 | Ilustração: Osvalter Urbinati
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati

O escritor colombiano Andrés Caicedo dizia que viver mais do que 25 anos era uma insensatez. Não extrapolou a regra emitida no discurso. No dia 4 de março de 1977, depois de receber o exemplar editado de “Viva a Música!, seu único romance, ingeriu 60 comprimidos de Seconal (droga que contém secobarbital, um barbitúrico sedativo-hipnótico).

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“Antecipe a morte, marque um encontro com ela. Ninguém quer saber de crianças envelhecidas”, narra María del Carmen Huerta, a adolescente loiríssima-ensandecida e protagonista do livro. Ele já havia premeditado. Mas antes de consumar o suicídio, deixou uma obra marcante – símbolo de uma geração de escritores proeminentes no cenário latino-americano (inclua aqui o chileno Roberto Bolaño (1953-2003), autor de dois calhamaços influentes – “Os Detetives Selvagens” e “2666”) –, avessa ao realismo mágico decorrente do boom concebido na América Latina à época, tendo como expoente Gabriel García Márquez. O que eles queriam e, principalmente, o que Andrés Caicedo almejava, era trabalhar numa escrita original e pungente; utilizar a estrutura visceral do espaço urbano para impactar.

Livro

Viva a Música!

Andrés Caicedo. Tradução de Luis Reyes Gil. Rádio Londres, 220 pp., R$ 29,90. Romance.

Numa narrativa desenfreada, frenética, como se pudesse simplesmente e arbitrariamente entupir nosso nariz de cocaína e jogar a quietude quase obrigatória que uma leitura exige pelos ares, Caicedo nos transporta até a cidade de Cáli, na Colômbia, para acompanhar a personagem María del Carmen, uma jovem de 16 anos absolutamente fissurada por música e drogas; pela noite e pelas festas – antes permeadas pelo rock dos Rolling Stones –,e depois encharcadas de bolero, salsa, cumbia e outros ritmos latinos; promovendo o que lhe move realmente: a música de Ricchie Ray e Bobby Cruz.

Morte prematura não impediu produção prolífica

Andrés Caicedo só escreveu um romance, mas deixou para trás uma vasta produção intelectual. Mesmo com pouca idade, foi considerado um dos principais críticos cinematográficos de Cáli, na Colômbia, escrevendo para os jornais El País, El Pueblo e Occidente.

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Em sua cabeça, as calles de Cáli são a extensão de uma imensa pista de dança. E o único propósito basicamente é achar um lugar onde se possa obter a melhor música e a melhor droga. Nessa procura descomedida, ela experimenta de tudo: LSD, cocaína, maconha, seconal, cogumelos, uma infinidade de substâncias que a fazem sentir “fabulosa”. Transforma o delírio em alimento.

Rádio Londres

Sediada no Rio de Janeiro, foi a editora responsável por transpor para o português a obra de Andrés Caicedo depois de 38 anos de seu lançamento. Também traduziu Ben Lerner, John Willians, Benjamin Tammuz e Abasse Ndione.

María faz parte de uma redoma de jovens de classe média autodestrutivos. Uma espécie de movimento sem objetivo concreto que enxerga no espaço público e no ambiente noturno da cidade colombiana certo sentido. “Ficava-se ali, semi-habitava-se ali e tomava-se droga o dia inteiro”, descreve a protagonista. Era o que se fazia. Suas reflexões, cheias de sentimento e de uma linguagem construída por gírias e letras de músicas que a habitavam – chegando em algumas ocasiões a desenvolver frases inteiras com essas letras – demonstram a importância dessa estrutura.

Suicídio, assassinatos, morte por overdose e assaltos também são elementos que aparecem no decorrer da história e moldam o absoluto e aparentemente impenetrável modo de lidar com as situações de María. Tudo isso dentro de um redemoinho lírico e alucinante que só conhece o fim quando chega ao fim.

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