Joyce Moreno lançou um novo disco no Brasil. Chama-se Rio e teve sua divulgação associada aos 450 anos do Rio de Janeiro, comemorados em março. Tudo a ver com o repertório gravado pela cantora – apenas com seu violão e sua voz irretocável.
Inspirada por uma apresentação na praia de Ipanema, a convite da prefeitura carioca, em 2010, ela reuniu canções cariocas, tanto de compositores nascidos por lá, como Tom Jobim, Paulinho da Viola, Zé Keti e Noel Rosa, quanto de artistas que incorporaram o samba – “espinha dorsal da cultura da cidade” –, como Caetano Veloso, Billy Branco e Adoniran Barbosa.
O álbum, no entanto, foi gravado há quatro anos e lançado originalmente no Japão e na Europa. Só agora chega ao Brasil, via Biscoito Fino.
O ciclo tem a ver com direitos de selos estrangeiros sobre a produção, conforme ela explica. Mas começa com a dificuldade de artistas da chamada MPB para encontrar espaços no Brasil. Esta tradição de canção, sofisticada, ligada às “raízes” e que legou medalhões para a cultura nacional, viu seu alcance muito reduzido. E até corre o risco de sumir do mapa, de acordo com a cantora.
Joyce, que deve tentar viabilizar uma turnê brasileira para o novo trabalho, falou sobre este cenário em entrevista à Gazeta do Povo, no início de abril.
CD
Joyce Moreno. Biscoito Fino. R$ 24,90. MPB.
Você não está sozinha entre os artistas da chamada MPB que conseguem viabilizar mais facilmente seus trabalhos no exterior do que no próprio Brasil. Como isso acontece?
Tem muita gente na mesma situação – pessoas com a mesma concepção musical. Não há espaço na indústria. O que acontece é que, hoje em dia, existe toda uma geração de brasileiros que não faz a menor ideia de que essa música existe. Já vi gente perguntando seriamente quem é Chico Buarque. Chico, que é respeitado e conhecido no Brasil inteiro. Uma pessoa jovem provavelmente conhece, mas não está ligando o nome à pessoa. Isso é uma falha nossa, aqui do país, muito grande com relação à cultura. É um descaso absoluto com o maior patrimônio cultural que o Brasil tem – a música brasileira. O único patrimônio que não depende do Estado, que sobrevive no exterior sem ajuda nenhuma. A ponto de, em qualquer lugar do mundo para onde você vai, vê um músico local tocando Tom Jobim. No entanto, o povo brasileiro nem sabe que existe este tesouro, que pertence a ele. O acesso deles a isso está sendo retirado.
Hoje em dia, existe toda uma geração de brasileiros que não faz a menor ideia de que essa música existe.Já vi gente perguntando seriamente quem é Chico Buarque.
Então a MPB vive um paradoxo neste sentido – tem respaldo da crítica, mas pouco espaço na indústria, de modo geral?
Sim, e acho que isso inclusive é uma coisa profundamente antidemocrática. É negar o acesso ao conhecimento da própria cultura para um povo. Isso é um negocio que fico indignada. Não estou falando nem de mim, mas destes compositores que construíram. Noel, Ary Barroso, depois passa para a geração seguinte. Caymmi. Elis. As pessoas não conhecem. Talvez pensem que é folclore. Mas não tem conhecimento desta obra, desta árvore que existe. Que, no exterior, tudo que é músico conhece. E onde esta música tem público. Tenho feito programas educativos aqui no Rio de Janeiro. Passamos as nas escolas explicando quem são os compositores, mostrando canções. É um trabalho de formiguinha. Se eu conseguir que, algum dia, meia-dúzia das crianças que assistiram se interessarem e quiserem tocar, pesquisar mais esta música, já terá valido o projeto. Mas é uma coisa pequena que fazemos. É muito pequeno. O Brasil inteiro precisa ter acesso.
Que futuro você vê para este cenário?
Acho que há o risco de a música brasileira não existir mais dentro do caldeirão da cultura do país. Sendo que é o ingrediente mais importante. O grande cartão de visitas do Brasil é a música. E acho que a gente corre seriamente este risco. Acho que leva uns bons 20 anos para reconstruir os laços das pessoas com essa cultura. Que elas precisam conhecer, precisam saber que existe.
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