No palco e fora dele, nas negociatas não submissas com gravadoras, no relacionamento com seus fãs e principalmente na música que fizeram em 30 anos de carreira e 15 discos – acrescentaram toneladas de distorções em afinações não convencionais ao rabicho do pós-punk –, o Sonic Youth sempre foi uma banda madura.
A força do conjunto noise era simbolicamente representada por um casal cool, Kim Gordon e Thurston Moore. Eles mostraram a pelo menos três gerações que era possível envelhecer bem: ao lado de quem se gosta, fazendo exatamente o que se quer.
Mas aí, em 2011, o guitarrista Lee Ranaldo anunciou que a banda estava dando um tempo devido à separação do casal após 27 anos. Vida real: ela descobriu que ele estava com outra. Três anos depois, Moore avisou que o grupo não podia mais “funcionar de forma sensata.” Tinha acabado. O Sonic Youth paria um silêncio barulhento.
Thurston Moore lançou dois discos neste período. Kim Gordon formou o duo Body/Head com Bill Nace e lançou “Coming Apart” (2013), além de continuar com seu trabalho nas artes visuais, na moda e a colaborar com artistas diversos. Legado importante no período pós-Sonic Youth – e panos quentes em todo o zumzumzum – é a contundente autobiografia “Kim Gordon – A Garota da Banda”, recém-lançada no Brasil.
“Era um lugar estranho para as coisas chegarem ao fim”, escreve ela na abertura do livro. O último show do Sonic Youth aconteceu no Festival SWU em Itu (SP), em novembro de 2011. Kim e Thurston trocaram cerca de 15 palavras enquanto estiveram no Brasil. Não se olharam no palco. O show só aconteceu porque o contrato não poderia ser rompido, mas a música salva: “barulho e dissonância extremos podem ser algo incrivelmente purificante”.
Remorso e melancolia marcam os primeiros capítulos. Kim fala sobre a banda com honestidade, como era de se esperar. Mas o livro não é sobre o Sonic Youth. É sobre a vida de uma mulher de 62 anos que foi baixista do Sonic Youth, é artista visual, cinéfila, feminista, progressista, fashion e “hipersensível.”
Thurston Moore se redime fazendo música boa e ruidosa
Barcelona, 28 de maio de 2015. É fim de tarde e Thurston Moore Band sobe em um dos 16 palcos do Festival Primavera Sound para divulgar o disco “The Best Day” (2014).
Leia a matéria completaKim relata sua infância ao lado de Keller, o irmão esquizofrênico, e seus primeiros contatos com a música (o jazz do pai, a música clássica da mãe). A mudança da família para o Havaí (1963) e Hong Kong (1965), inspirações artísticas na adolescência, através de Françoise Hardy, as dificuldades financeiras, a arte como obsessão e enfim a primeira guitarra (uma Drifter, presente de um amigo, destruída por Thurston Moore em um show do Sonic Youth).
Girl power: frase que seria cooptada pelas Spice Girls, grupo criado por homens, cada Spice Girl rotulada com uma personalidade diferente, estilizada para poder ser comercializada como um perfil feminino falso. Coco era uma das poucas no jardim de infância que nunca tinha ouvido falar delas, e essa é uma forma de poder feminino, dizer não à comercialização das mulheres!
“Nossa música era realista e dinâmica, porque a vida era assim, cheia de extremos”, escreve. O livro explica que a banda ajudou a fundar a cena No Wave, resposta direta ao punk comercial, melódico e dançável de grupos como Talking Heads, The Police e Blondie.
Detalhes sobre gravações de todos os discos (desde a primeira vez no estúdio, em 1982), a amizade sincera com Kurt Cobain, o ódio repulsivo a Courtney Love (Kim produziu o primeiro disco da banda Hole), o apoio de Michael Stipe (R.E.M.), e as parcerias com Sofia Coppola e Spike Jonze (diretor do clipe de “100%”) são tempero extra para curiosos pelos bastidores do rock alternativo.
Fábrica 231/Rocco. Tradução de Alexandre Matias. 288 pp., R$ 34,50.
Fio condutor da obra, no entanto, é a postura antimachista de Kim. Em todas as entrevistas que a banda concedia, questão infalível era “como é ser a garota da banda?” Depois que sua filha Coco nasceu, em 1994, a pergunta mudou um pouco. “Como é ser mãe numa banda?” Assunto atualíssimo.
Kim Gordon escreve como toca. Tem atitude e integridade, certa presunção e um estilo cru.
É como se aprendesse baixo ao mesmo tempo em que faz um show memorável.
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